16 de ago. de 2011

Os Dez Mandamentos

                                Durante o reinado de Ramsés II, Moisés leva os hebreus para fora do Egito (entre os anos de 1292 - 1225 a.c. ). Os Hebreus, estabelecidos no delta do Nilo, depois da morte de José, tiveram que suportar o jugo dos egípcios.  Deus chama Moisés e revela-se a ele primeiro na sarça ardente, chamando-o a uma grandiosa missão, ou seja, libertar o povo eleito da escravidão. Moisés torna-se chefe do povo oprimido e combate, sob a guia divina, os poderes do mundo.  Depois de ter libertado o seu povo, Deus o conduziu através das águas (travessia do Mar Vermelho) e através do deserto. No monte Sinai, Deus proclama a aliança com seu povo: "Se obedecerdes à minha voz e guardardes a minha aliança, sereis, entre todos os povos, o meu povo em particular.... Sereis uma nação consagrada"(ÊX 19, 5-6). Ali, Moisés recebe  as Tábuas da Lei (Decálogo), que foram escritos com o próprio dedo de Deus: "Tendo o Senhor acabado de falar a Moisés sobre o monte Sinai, entregou-lhe as  duas tábuas do testemunho, tábuas de pedra, escritas com o dedo de Deus"  (ÊX 31, 18).  Entretanto, o povo, vendo que Moisés tardava em descer a montanha, fraco e incrédulo, fez  para sua imagem  um bezerro de ouro, usando os  brincos dos homens e mulheres, que foram fundidos e moldados naquela forma. Construíram um altar e passaram a adorá-lo. 
                       O Senhor então disse à Moisés: "Vai, desce, porque se corrompeu o povo que tiraste do Egito" (ÊX 32, 7). Moisés cumpriu a ordem  e ao ver o bezerro de ouro, com grande cólera  arrojou  de suas mãos as tábuas  e quebrou-as aos pés da montanha.  Conclamou o povo dizendo: "Vinde a  mim todos os que são pelo Senhor".  Todos os  filhos de Levi juntaram-se em torno dele.  Mandou que rodeassem o acampamento e matassem  todos os parentes corrompidos.  Eles cumpriram a ordem de Moisés e naquele dia cerca de três mil homens pereceram à espada.  Moisés disse: "Vou subir hoje ao Senhor; talvez obtenha o perdão da vossa culpa". Subindo ao monte,  Moisés  ouve de Deus diversas admoestações dirigidas ao povo de cerviz dura. Os israelitas, ouvindo as  palavras retransmitidas por Moisés, puseram-se a chorar e  arrependidos, despojaram-se de seus enfeites. O Senhor disse à Moisés: "Talha duas tábuas de pedra semelhantes às primeiras:  escreverei nelas as palavras que se encontram nas primeiras que quebraste" E assim foi feito. Moisés ficou junto do Senhor quarenta dias e quarenta noites, sem comer pão nem beber água. E o Senhor  escreveu nas tábuas o texto da aliança, as dez palavras:







   I - Amar a Deus sobre todas as coisas (*)
  II - Não tomar Seu Santo Nome em vão
 III - Guardar Domingos e dias santificados (*)
  IV - Honrar pai e mãe
  V - Não matar
 VI - Não pecar contra a castidade
 VII - Não furtar 
VIII - Não levantar falso testemunho 
 IX - Não desejar a mulher do  próximo
  X - Não cobiçar as coisas alheias







10 de ago. de 2011

OS SACRAMENTOS DA IGREJA





Batismo -    É através deste nascimento que o homem ingressa na Igreja. Como nos desenvolvemos da água de dentro das membranas do feto e cuja  gestação proporcionará os meios para nosso nascimento carnal, deve ser imperiosa a preocupação dos pais em relação aos filhos, ou dos cristãos em relação aos pagãos, no que se refere ao  nascimento espiritual  através da água.   Sobre isto, muitas vezes, também nós gostaríamos de fazer a pergunta de Nicodemos: "Como pode um homem nascer, sendo já velho? porventura pode tornar a entrar  no seio de sua mãe e nascer de novo?" - respondeu Jesus: "Em verdade, em verdade, Eu te digo: Quem não nascer da água e do Espírito, não poderá entrar o Reino de Deus" (Jo 3, 4-5). O nascimento carnal, unido ao nascimento espiritual são fatores preponderantes para alcançarmos a salvação eterna. Quando  nascemos,  já iniciou para nós a eternidade,  e essa predestinação só se concretiza nas águas do Batismo. Eis a nossa responsabilidade frente às essas duas grandezas. Todas as prefigurações no Antigo Testamento, encontram sua realização em Jesus, iniciando-se em sua vida pública após ter-se feito batizar por São João Batista. Depois de sua Ressurreição, confere esta missão aos Apóstolos: "Ide por todo o mundo, fazei que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo quanto vos ordenei" (Mt 28m 19-20).  O Batismo é um banho de água que purifica, santifica e justifica, no qual a Palavra de Deus produz seu efeito vivificante.  Santo Agostinho dirá do Batismo: "Accedit verbum ad elementum, et fit Sacramemtum" - Une-se a Palavra ao elemento, e acontece o Sacramento. 
  Confirmação ou Crisma -   Batizados nos primeiros  meses de vida, os cristãos, são representados pelos padrinhos. São eles nossos primeiros condutores, apresentam-nos no Templo do Senhor, falam por nós.  É necessário, então,  que, quando alcançarmos a consciência necessária,  confirmemos  espontaneamente   tudo aquilo  que foi prometido  pela boca  dos nossos  padrinhos -  abraçar os preceitos da  Santa Madre Igreja,   submeter-nos  inteiramente a  Deus. Abraçar a fé envolve amor, e amor implica em renúncia,  renúncia absoluta ao poder do Mal e todas as suas subsequentes obras.  Todo o batizado ainda não confirmado, pode e deve receber o Sacramento da Confirmação. Pelo fato do Batismo, Confirmação e Eucaristia formarem uma unidade , os fiéis têm a obrigação de receber tempestivamente este Sacramento, pois que, apesar do Batismo já ser por si só válido e eficaz,  a iniciação cristã permanece inacabada sem o Sacramento da Confirmação.  O ministro da Confirmação é o Bispo. Embora o Bispo possa, quando houver necessidade, conceder aos presbíteros a sua administração, é conveniente que ele mesmo o confira, não esquecendo-se que por este motivo é  que essa celebração foi separada temporalmente do Batismo.  Salientando-se  que, sendo os Bispos, sucessores dos Apóstolos, receberam a plenitude do Sacramento da Ordem.  Se um cristão estiver em perigo de morte, todo presbítero pode dar-lhe a Confirmação.  
Eucaristia -   Somos herdeiros deste tesouro valiosíssimo, que abre defintivamente para nós as portas da santidade, é o caminho seguro da eternidade. Ninguém é, nem pode  considerar-se digno de receber Nosso Senhor na Eucaristia. Não foi,  então,  pela dignidade nossa que Jesus Cristo se decidiu instituí-lo.  Assim  como esteve nas casas do pecadores e  comia com eles à mesa, assim nos visita na Santa Comunhão para ser alimento para nossa alma e  para nos conceder as graças necessárias  para nossa  santificação.  Entre as pessoas que se aproximam da Mesa Eucarística há aqueles que, julgando-se indignos, receiam  acercar-se da santa comunhão. Outros não se preocupam com esta eventualidade. Ao contrário, fazem preparação rápida, rotineira ou sem atenção alguma.  Se estes pecam por excesso de falta de familiaridade com Deus,  os outros não são menos dignos de censura.  Pior ainda são  aqueles  que se aproximam da comunhão com postura de cristão, mas com indiferença de pagão.  Quem se dirige da  comunhão ainda  com outras  intenções, que não seja o desejo firme e  a resolução sincera de desapegar-se cada vez mais dos pecados e defeitos, não faz dela o uso que Deus quer.  Quem está consciente de pecado grave, não pode receber a comunhão, sem antes confessar seu pecado através do sacramento da confissão. São Paulo adverte: "... cada um examine  si mesmo antes de comer deste pão e beber deste cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir o Corpo, come e bebe a própria condenação" (1cor 11, 27-29).  Diante dessa grandeza, o fiel deve repetir humildemente e com fé ardente as palavras do  Centurião: "Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo".  A recepção freqüente da Santa Comunhão, deve  produzir um amor cada vez mais ardente a  Nosso Senhor,  inflamar na alma o fervor e a piedade e despertar o desejo de tornar-se cada vez mais agravável aos olhos de Deus, por uma vida santa.  Que a Sagrada Eucaristia jamais seja para nós motivo de condenação, mas, como invoca o Sacerdote na Missa: "Sustento e remédio para nossa vida".  Mesmo diante dos nossos pecados e indignidades,  renovemos com o coração este pedido a Deus para comungarmos com plena confiança na sua infinita misericórdia. À oferenda de Cristo unem-se não somente os membros que ainda estão na terra, mas também os que já estão na glória do céu, em comunhão com a Santíssima Virgem Maria,  com quem estamos como que aos pés da Cruz, aos santos e santas e também aos fiéis defuntos do Purgatório para que possam entrar na luz e na paz de Cristo. "Eu sou o pão vivo, descido do céu. Quem comer deste pão, viverá eternamente. (...) Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna. (...) permanece em mim e eu nele", disse Jesus.  A Eucaristia é o maior tesouro que o Senhor deixou aos seus filhos na terra. "A presença do verdadeiro Corpo de Cristo e do verdadeiro Sangue de Cristo neste Sacramento 'não se pode descobrir pelos sentidos, diz São Tomás, mas só com fé, baseada na autoridade de Deus'.     Comentando São Lucas 22, 19 ("Isto é meu Corpo que será entregue por vós"), São Cirilo de Alexandria declara: "Não perguntes se é ou não verdade; aceita com fé a palavras do Senhor, porque ele, que é a Verdade, não mente". 


8 de ago. de 2011

Solenidade de Corpus Christi


          A Igreja celebra Corpus Christi (Corpo de Deus) como festa de contemplação, adoração e exaltação, onde os fiéis se unem  em torno de sua herança mais preciosa deixada por Cristo, o Sacramento da sua própria presença. 
                                  A solenidade do Corpo de Deus remonta o século XII,  quando foi instituída pelo Papa Urbano IV em 1264, através da bula “Transiturus”, que prescreveu esta solenidade  para toda a Igreja Universal.
                                  A origem da festa deu-se por um fato extraordinário ocorrido ao ano de 1247, na Diocese  de Liége – Bélgica.  Santa Juliana  de Cornillon, uma monja agostiniana, teve consecutivas visões de um astro semelhante à lua, totalmente brilhante, porém com uma incisão escura. O próprio Jesus Cristo a ela revelou que a  lua significava a  Igreja,   sua claridade  as festas e, a mancha,  sinal da ausência de uma data dedicada ao Corpo de Cristo.  Santa Juliana levou o caso ao bispo local que,  em 1258, acabou instituindo  a festa em sua Diocese.
                                  O fato, na época,  havia sido  levado também ao conhecimento do bispo Jacques de Pantaleón que, quase  duas décadas  mais tarde, viria   ser eleito Papa (Urbano IV), ou seja,  ele próprio viria a estender a solenidade  a toda a Igreja Universal. O fator, que deflagrou a decisão do Papa, e que viria  como que a confirmar a  antiga visão de Santa Juliana,   deu-se por um grande  milagre ocorrido no segundo ano de seu pontificado: O milagre eucarístico de Bolsena, no Lácio, onde um sacerdote tcheco, Padre Pietro de Praga,   colocando dúvidas na presença real de Cristo na Eucaristia durante a  celebração da santa Missa,  viu brotar sangue da hóstia consagrada. (Semelhante ao milagre de Lanciano, ocorrido no início do Século VIII).   O fato foi levado ao Papa Urbano IV, que encarregou o bispo de Orvietro a  levar-lhe as  alfaias  litúrgicas  embebidas com o Sangue de Cristo. Instituída para toda a Igreja, desde então, a data foi marcada por concentrações, procissões e outras práticas religiosas, de acordo com o modo de ser e de viver de cada país, de cada localidade.
                                  No Brasil, a festa foi instituída em 1961. A tradição de enfeitar as ruas com tapetes ornamentados originou-se em Ouro Preto, Minas Gerais e a prática foi adotada em diversas dioceses do território nacional. A celebração de Corpus Christi consta da santa missa, da procissão e da adoração do Santíssimo. Lembra a caminhada do povo de Deus, que é peregrino, em busca da Terra Prometida. No Antigo Testamento, esse povo foi alimentado com o maná no deserto e hoje, ele é alimentado com o próprio Corpo de Cristo. Durante a missa, o celebrante consagra duas hóstias, sendo uma consumida e a outra apresentada aos fiéis para adoração, como sinal da presença de Cristo vivo no coração de sua Igreja.  
Reflexões
Os católicos tem plena convicção da presença real de Cristo na Eucaristia. Jesus está verdadeiramente presente, de dia e de noite, em todos os Sacrários do mundo inteiro. Contudo, nos parece que esta certeza já não reside com tanta intensidade no coração do homem moderno. O maior Tesouro que existe sobre a terra, "que possui o valor do próprio Deus", a Eucaristia, Cristo a deixou para os homens .... de graça!   Se mesmo na condição de pecadores, assombramo-nos com o descaso a tão valioso Sacramento, impossível assimilar o sentimento de Deus ante a  indiferença dos homens com a Eucaristia.   
Ao contrário do que se imagina,  a Igreja está mais preocupada em pregar e difundir a Sã Doutrina, do que com o número de ovelhas em seu aprisco. A Igreja não trabalha baseada em dados estatísticos, mas com a difusão do Evangelho.  Nesse sentido, lembremos que houve debandada geral da turba quando Jesus revelou publicamente: "Minha carne é verdadeiramente comida e meu Sangue, verdadeiramente bebida".  Ao ouvir isto, o povo escandalizado deu as costas à Jesus;  todos evadiram-se, restando apenas doze. Jesus não deu maiores explicações, nem correu atrás da multidão desolada, pelo contrário,  simplesmente perguntou aos doze: "Quereis vós também retirar-vos?".  No que São  Pedro respondeu: "A quem iríamos nós, Senhor?  Só Tu  tens palavras de vida eterna" (Cf. Jo 6, 52 - 68).   Portanto, é absolutamente claro que:  "Jesus não depende das multidões, as multidões é que dependem d'Ele", assim como "A Igreja de Cristo não depende dos fiéis, os fiéis é que dependem dela para chegarem a Cristo"  (Livro Oriente)
Ao aproximarmo-nos do Santo Sacrário, tenhamos a confiança de dizer "Meu Senhor e meu Deus", certos de que Ele está ali, Vivo, Real e Verdadeiro a  ouvir nossas  preces e  a contemplar nossa fé.  E esta fé, é uma formidável bem-aventurança que recebemos de Jesus,  por intermédio das dúvidas levantadas por São Tomé, a quem o Mestre disse: "Creste, porque me viste. Felizes aqueles que crêem sem ter visto!"  (Jo 21, 29)
"Eu creio, Senhor, mas aumentai a minha fé"

Pentecostes


 Os judeus  tinham uma festa de Pentecostes, que se celebrava 50 dias após a páscoa.  Nesta festa, recordavam o dia em que Moisés subiu ao monte Sinai e recebeu as tábuas da Lei, contendo os ensinamentos dirigidos ao povo de Israel. Celebravam assim, a  aliança do Antigo testamento que o povo estabeleceu com Deus: Eles se comprometeram a viver segundo seus mandamentos e Deus se comprometeu a estar sempre com eles.
                                            Vinham pessoas de todos os cantos para a festa de Pentecostes no Templo de Jerusalém. Deus havia prometido mandar seu espírito em ocasiões diversas: Durante a Última Ceia,  Jesus lhes promete a  seus apóstolos o seguinte: “Eu rogarei ao Pai e Ele vos dará outro Consolador, para que fique eternamente convosco. O Espírito da  verdade, quem o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conhecereis, porque ficará convosco e estará em vós.” (Jo 14, 16-17)
                                            Mais adiante lhes disse:  Disse-vos estas coisas, permanecendo convosco. Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar tudo o que vos tenho dito” (Jo 14, 25-26)
                                            Ao terminar a  cena, volta a fazer a mesma promessa: “Contudo, digo-vos a verdade, a vós convém que eu vá; se eu não for, não virá a vós o Consolador; mas, se eu for, vo-lo enviarei. Ele, quando vier, argüirá o mundo do pecado, da justiça e do juízo. Sim, do pecado, porque não creram em mim; da justiça, porque vou para o Pai e vós não mais me vereis;  Enfim, do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado. Tenho ainda muitas coisas a vos dizer, mas vós não as podeis suportar agora. Quando, porém, vier o Espírito da verdade, conduzir-vos-á à verdade integral. Pois, não há de falar de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e anunciar-vos-á as coisas que estão por vir. Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo anunciará.” (Jo 16, 7-14)
                                            

O BATISMO PARA ADULTOS


 O BATISMO PARA ADULTOS 

INTRODUÇÃO

                                                   A humanidade, criada por Deus em estado de inocência  tornou-se  pecadora. Adão rebelou-se,   desobedeceu uma ordem estabelecida por Deus, que o criou à Sua imagem e semelhança, portanto perfeito.  Aliás, o exercício do livre arbítrio era a  condição que verdadeiramente significava a perfeição, já que Adão que era livre para escolher entre  uma coisa e outra, o bem ou o mal.  O  "pecado original"   que representa o pecado inicial, deu origem a uma sucessão de pecados, todos conseqüências do primeiro.  Por causa do seu pecado,  tendo ele (Adão) decaído dessa elevação, pode apenas  transmitir às gerações futuras uma natureza humana, igualmente decaída. Esta ruína interior que nos afasta de Deus, juntamente com Adão e  em continuação ao seu afastamento, é em nós um estado de pecado. É preciso nascer de novo através das águas do Batismo, onde a mancha é apagada. Mas, apesar da graça de Cristo, a história humana continua, em grande parte, como história de rebeldia contra Deus, sempre reiterada. Apagou-se a mancha, mas as conseqüências do pecado original persistem e por isto, Deus permite que a morte impere no gênero humano, já que a morte é o preço do pecado. 

                                                   Apesar de interiormente enfraquecidos na luta contra tais conseqüências, assumimos uma condição nova, uma constante batalha em cumprir os preceitos da Igreja como graça medicinal de Cristo. Vitória ou derrota, depende de cada ser humano, individualmente ou coletivamente, pelo exercício do livre arbítrio.  Exceção a esta regra divina é Maria Santíssima, a Nova Eva preanunciada, concebida sem pecado original, que aceita conceber o Novo Adão, Jesus Cristo, para restabelecer o elo quebrado pela desobediência do homem. Bondade incompreensível, impossível de ser alcançada na totalidade pelo nosso raciocínio, a vinda de Cristo para nos resgatar deste lodo em que mergulhamos.

                                                 Nossa existência só tem sentido após atingirmos a consciência cristã, o plano da salvação num todo, desde o dia do batismo, o primeiro grande passo,  que marca o início de uma série de sucessões sacramentais da Igreja, até o desenlace.  O batismo é o ingresso do caminho da salvação e por isto ninguém deve morrer sem estar batizado.  Em casos  extremos de  perigo de vida em que  não haja tempo para se chamar um sacerdote, qualquer  pessoa  pode  batizar. Derrama-se  água na cabeça da  criança ou  moribundo e pronuncia-se:  " N. , eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém!". 

ABLUÇÃO

                                                Naquele que é assumido por Cristo, já não há lugar para o pecado. A água derramada significa, além de nascimento, também ablução.   O batismo purifica a pessoa dos pecados cometidos em sua vida. Arranca a raiz do pecado, o pecado original, vencido pelo contato com Jesus.  Mesmo que os pecados no homem sejam vermelhos como o escarlate, Cristo torna-o agora mais branco do que a neve. Doravante são amigos. O homem recomeça numa página inteiramente branca.  Logo depois da  unção com o crisma, entregam-se, como símbolo de  brancura e luz, a túnica branca e a vela acesa. Estes gestos são, novamente, acompanhados de lindos votos de  bênção. Encerram o rito batismal.

                                              Nunca se deve  repetir o batismo. (Existem certas seitas que pregam e põe em prática um segundo batismo pela água. Tal prática, inaceitável, constitui pecado grave contra Deus. Não se pode banalizar seu profundo sentido, não se pode brincar com o Espírito Santo). Esse caráter irrepetível do batismo é expressado na fórmula teológica: O batismo da água imprime no batizado "caráter indelével". Recebe-se o batismo para todo o sempre. É claro que aquele que, durante a cerimônia não  quer formalmente ser batizado, não recebe o batismo.  

 RITO DO BATISMO PARA ADULTOS 

1. Início do catecumenato (1º. passo) 

                                                 A primeira cerimônia é a admissão dos candidatos como "catecúmenos. Realiza-se fora, à porta da igreja. Já é em si, um sinal. Também a estola roxa do celebrante significa algo: estar a caminho (O roxo é a  cor do Advento e da Quaresma). Do mesmo modo, serão significativas as  cerimônias que se seguem, com todos os seus pormenores. Tudo é imagem, figura, símbolo. Lugar, cor, gesto, material... tornam-se expressivos, eloqüentes. Não é preciso ter-se estudado, par entender tudo isso. 

                                                A recepção começa por uma pergunta: "Como te chamas?" A segunda pergunta reza: "Que queres?".  A resposta é tremenda nos lábios de um homem mortal: "O que é necessário para eu possuir a vida eterna!".   Em primeiro lugar, pois, a fé.  O candidato vem porque já tem fé e, no entanto, pede a fé! Tem isso semelhança com a oração do Evangelho: "Creio, Senhor, mas aumentai minha fé" (Mt 9, 24).  Significa que a fé é, em última instância, algo que se recebe, um dom,  não fruto da atividade própria. Depois de uma palavra que alude também às obras, segue-se uma interrogação sobre as disposições. O celebrante faz, então, o gesto pascal de Jesus:  Sopra sobre o batizado e ordena ao espírito maligno ceder seu lugar ao Espírito Santo. 
                                               Semelhante  exorcismo voltará várias  vezes na cerimônia. Manda que vá embora o mal que ameaça o homem. Em lugar do nome  impessoal "mal" usa-se sempre o nome  pessoal "demônio".  Com isso, indica-se  também qualquer mal, quer por influência dos  pecados dos outros, quer pelas próprias  inclinações más, ou pelos erros anteriores praticados  contra Deus. Toda a solenidade é bastante vigorosa: A luz encontra-se em face das trevas. Com toda  razão. Pois, esse  sinal sacramental é uma breve, porém, intensa vivência, de um pedaço de história de vida. A luta da vida, a contínua conversão do batizado, é recapitulada com brevidade e profundidade bíblicas, sem meias-tintas: Os momentos de tentação, encruzilhada, trevas, desesperança que já houve no passado e que haverá no futuro - e em oposição a tudo isso, cada vez: A paz de  Deus, bondade, alegria.  Em suma:  expulsão do espírito maligno - recepção do Espírito bom. 

                                              O rito continua. O celebrante faz o sinal da  cruz  na fronte, nos ouvidos, nos olhos, no nariz, na boca, no peito, nas espáduas do batizando. Todo o corpo é compenetrado da luz da santa cruz. O gesto é acompanhado de votos e orações.  Neste primeiro contato, a  Igreja não pode dar ainda a Eucaristia, mas, oferece um pouco de sal. Significa o combate à corrupção e  também que as coisas de Deus possuirão sabor agradável: Sal sapientiae. Há, enfim, também algo no sentido de provocar sede, desejo de água. Aqui se despede, então, o batizando: Começa o catecumenato, que pode durar, às vezes, vários anos. 

2. Proclamação da fé - novo exorcismo (2º passo)

                                                A segunda cerimônia começa, novamente, por um representação simbólica da  luta entre Deus e o Demônio, no homem. O batizando reza o Pai-Nosso e  é marcado com o sinal da cruz pelo padrinho ou pela madrinha e pelo celebrante. Conjura-se o mal para que se afaste. Em seguida, é o batizando introduzido na igreja, onde passa  alguns momentos em ação de graças.

                                                A seguir, proclama alto a sua fé, recitando o Símbolo dos Apóstolos, seguido do Pai-Nosso. (Já chama a Deus de "Pai"!). O que se passou num processo interno e em lições fechadas, proclama-se, agora, diante da comunidade e de Deus.  Um limiar que pode inspirar medo! Mas isto faz parte do sacramento.  Nele  Cristo fala ao homem, mas o homem deve responder audivelmente, no meio da comunidade eclesial: O sacramento é diálogo. 

                                               Depois da resposta do  batizando, é novamente a  vez de Cristo, através da  boca e da mão da Igreja, representadas  pelo sacerdote celebrante. Após novo exorcismo. repete-se o lindo gesto de Jesus, que tocava com saliva os ouvidos do  surdo. Não eram os milagres de Jesus, realmente, sinais de  cura profunda que Ele realiza aqui?  O gesto é acompanhado da  palavra: "Effeta", isto é: "Abre-te". Tocam-se, também, as narinas: Para se poder receber o suave odor de Cristo. 

                                              No final da solenidade, o batizando eleito é ungido entre as espáduas. faz-se isto com óleo dos catecúmenos, que simboliza a flexibilidade e  vigor para o combate. Também isto é resposta de  Cristo, pelo sinal sensível de  sua Igreja: força para perseverar. 

3. Finalmente o Batismo

                                              Entretanto, ainda não se efetuou o principal: o batismo.  Pode ser recebido em qualquer hora, de qualquer dia ou noite ou noite do ano. Uma noite, porém, é especialmente escolhida para esta cerimônia: A noite em que Jesus ressuscitou para a vida eterna.  Por isto é que nessa noite se canta, jubilosamente, sobre a água batismal, em que esta é consagrada para a sua destinação. Sim, é com água que se batiza!  O Exultet, essa oração cantada bem alto na noite pascal, folheia toda a Bíblia, para tomar consciência do sentido tremendo desse elemento: Desde as águas primordiais, sobre as quais pairava o Espírito criador e vivificador de Deus, passando pelas correntes do dilúvio e do Mar Vermelho, até à água que jorrou do lado de Jesus no alto da cruz. 

                                             Esse mesmo elemento, o mais maternal de  todos os elementos, foi por Deus predestinado para ser igualmente o sinal eficaz de  nosso conhecimento celeste. "Queira, suplicamos, o Espírito Santo, pela efusão secreta de suas virtudes, fecundar esta água, destinada a regenerar os homens, a fim de que, do seio puríssimo desta fonte divina, saia nova geração celeste, concebida por santificação, renascida numa criatura nova" (canto de consagração da água batismal na noite pascal). 

                                            Imediatamente antes do batismo, o celebrante pergunta, mais uma vez, pela fé do batizando. Segue-se, então, a  interrogação formal, se ele veio por própria e  livre vontade: "Quereis ser batizado?"  Só depois desta pergunta positiva do catecúmeno, é derramada sobre ele  a água batismal, enquanto ressoam as palavras do celebrante: "Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e  do Espírito Santo" (Mt 28, 19).  A água diz "nascimento";  a palavra indica "qual o nascimento":  Que o Espírito Santo vem habitar em nós, dando-nos vida, e transformando-nos em  filhos e  filhas do Pai. Logo depois do batismo, faz-se a unção com crisma, cujo odor  simboliza o Espírito Santo. 

                                           Pelo Espírito santificador em nós, entramos e  permanecemos em Cristo, como também Cristo entra e permanece em nós. Pelo mesmo Espírito, ficamos cheios da graça santificadora. 

CONCLUSÃO

                                          Nós, batizados em Cristo, declaramo-nos solidários com o seu caminho: Serviçalidade, pequenez, humildade, obediência até a morte. Aceitamos o nosso batismo de vida, enfim, a morte. A nossa morte é o nosso batismo, no sentido mais próprio. Dizemos "sim" a ela, como Jesus, com Jesus e  por Jesus. Pois, se o Senhor nos salvou, não significa, afinal de contas, que Ele nos tornou isentos de  sofrimentos. Significa  que podemos colaborar com Ele para nos salvar a nós e aos outros, e fazê-lo da mesma maneira que Ele.  Esta maneira, Jesus  explicou-a com as palavras: "Podeis vós beber o cálice que eu vou beber  e  ser batizados no batismo em que eu vou ser batizado?" (Mc 10, 38). 

                                         Talvez haja quem ache sombria essa idéia no dia alegre do Batismo: Ser consagrado à morte!  Mas pode haver maior consolação?  A nossa vida que vai morrendo, poderá, com Jesus, ser fecunda, em vez de absurda. Deus tornou as  dores da humanidade dores de parto de vida nova. Se a água em que entramos é sinal de morte, quando dela  surgimos, torna-se  sinal de ressurreição e nascimento. Por isso, a noite pascal, sumamente alegre, é a noite do batismo.





Referências:  Catecismo da Igreja - "A Fé para Adultos " , Edições Loyola, 1970; introdução e conclusão por Página Oriente - tendo por base  referências contidas no Catecismo da Igreja.  

QUARESMA


                                  <><>      QUARESMA      <><>

Os três domingos  consecutivos da  septuagésima, sexagésima e  quinquagésima (70, 60 e 50 dias  antes da Páscoa), tem por fim encaminhar  os  fiéis à preparação próxima da festa pascal. 
Chama-se  Quaresma os 40 dias  de jejum e penitência que precedem à festa da Páscoa.  Essa preparação existe  desde o tempo dos Apóstolos, que limitaram sua duração a 40 dias , em memória do jejum de Jesus  Cristo no deserto. Durante esse tempo a  Igreja  veste seus  ministros com paramentos de cor roxa e suprime os cânticos de alegria: O "Glória",  o "Aleluia" e o "Te Deum". 
Na  4ª.  feira depois do domingo da quinquagésima, dia que começa a Quaresma, a Igreja  faz  imposição das cinzas (quarta-feira de cinzas), para lembrar os fiéis que são pó  e  em pó hão de tornar. 
Nesse  tempo santo, convém: 
a) fazer penitência, observando a lei do jejum. 
b) ouvir com freqüência a  Palavra de Deus. 
c) preparar-se por uma boa confissão para comunhão pascal. 
Em virtude de um indulto  especial, concedido  à América do Sul,  os  fiéis  de  21 anos completos até 60 anos de  idade, são obrigados  a  jejuar: com abstinência de  carne, na quarta-feira de  cinzas e nas sextas-feiras;  sem abstinência de carne, nas quartas-feiras e  na quinta-feira santa. 
O quinto domingo da Quaresma chama-se o Domingo da Paixão. A partir  deste  dia a  Igreja,  em sinal de luto, encobre com um véu as  estátuas e as  imagens de Nosso Senhor e  dos  santos. Na sexta-feira  dessa semana é a festa de Nossa  Senhora das Dores. 
A última  semana  é a  semana  santa;   chama-se santa, porque nesses dias se  comemoram os maiores mistérios praticados por Jesus Cristo para a redenção do gênero humano. Começa com o: 
Domingo de Ramos.  Antes da missa  paroquial, o sacerdote benze solenemente os ramos e  os distribui ao clero e aos  fiéis, que os levam primeiro em procissão e depois para as  suas  casas.  (a "palha  benta" , quando queimada e acompanhada  de orações a Santa Bárbara, é eficaz  contra  trovões e tempestades).  Esta cerimônia simboliza a entrada  triunfal de Jesus Cristo em Jerusalém, seis dias antes de  sua paixão. Durante a missa canta-se ou lê-se  a narrativa da  Paixão, escrita por  São Mateus, (na terça-feira a de São Marcos;  na quarta a de São Lucas e  na sexta a de São João),  que exprime claramente  quais devem ser os sentimentos e afetos do verdadeiro cristão durante toda a semana  santa. 
Na  quarta, quinta e  sexta-feiras, realizam-se, à tarde, ofícios chamados trevas, porque antigamente eram cantados à noite. Findos, apagavam-se  as  luzes para simbolizar o luto da Igreja e a  escuridão que baixou à terra  quando Nosso  Senhor  morreu.  Conservou-se  esse costume até  hoje, apagando as  velas do candeeiro triangular e  as do altar, uma  por uma, no fim de cada  salmo.  Durante o ofício das trevas  cantam-se as lamentações do Profeta Jeremias sobre Jerusalém.  Os três últimos  tem igualmente, cada um,  ofícios  e  cerimônias peculiares para os atos religiosos. 
A quinta-feira  santa é consagrada  à  comemoração da  instituição do Santíssimo Sacramento e  do sacerdócio católico.  As principais  cerimônias  desse dia  são: 
1.  Em cada igreja paroquial e  conventual celebra-se uma só missa, na qual os  outros sacerdotes  recebem, de forma  particular, a ceia do Senhor,  em que Jesus  fez pela primeira vez  a  consagração e os Apóstolos comungaram de sua mão. 
2. A Igreja parece esquecer sua dor por um instante para festejar o grande mistério da Eucaristia. Os paramentos sacerdotais e  o véu da cruz do altar-mor são de  cor  branca;  ouve-se o cântico "Glória",  durante  o qual repicam solenemente  todos os sinos, emudecendo depois até  ao Sábado de Aleluia. 
3. O padre consagra duas Hóstias grandes, uma das quais  conserva para o ofício da sexta-feira  santa porque  naquele dia,  em  que Jesus  ofereceu o sacrifício cruento no monte Calvário, não há consagração nas santas funções. 
4.  Terminada a missa, leva-se solenemente para outro altar, festivamente preparado e  chamado santo sepulcro, a segunda Hóstia grande que acaba de ser consagrada e  que há de servir no dia imediato, para  a missa dos  pré-santificados. 
5. Depois  da  cerimônia  precedente, retiram-se do altar-mor o Santíssimo, adornos, panos, etc., enquanto o sacerdote, com os ministros, reza o salmo 21, no qual Davi profetizou a  Paixão do Salvador com as circunstâncias de sua morte no Calvário. 
Os  bispos consagram nas catedrais, durante a Missa, os  Santos Óleos que devem servir  para a administração do Batismo e  da Extrema-unção, e em seguida o Santo Crisma, usado no Batismo, na Confirmação e na Ordem. 
6. Em memória da humildade de  Jesus, que neste dia lavou os pés dos Apóstolos, o bispo em sua catedral, os superiores em suas igrejas de convento, lavam os pés de doze pobres (ou ministros), beijam-nos com respeito, enxugam-nos  com as próprias  mãos, compenetrados dos mesmos sentimentos de humildade e  caridade  que tinha o Salvador. (É a cerimônia de "Lava-pés").
7. Durante  todo esse dia as  irmandades e os fiéis em geral fazem guarda de honra a Jesus Sacramentado.  (Adoração do Santíssimo Sacramento)
Sexta-feira Santa. As cerimônias desse  dia são todas lúgubres e  tristes, porque visam representar o seu fundador. O celebrante e os ministros aproximam-se do altar. Chegados lá, prostram-se, estendidos no chão; depois erguem-se e  procede-se à leitura de  uma lição da Sagrada Escritura e da Paixão. Seguem as orações solenes que a Igreja faz por todo o mundo, mesmo por seus maiores inimigos,  para imitar Nosso Senhor, que morreu por todos os homens. Ao concluí-las o celebrante, despindo a casula, dirige-se ao lado da epístola e  descobre sucessivamente os braços e a cabeça da cruz; coloca-a no degrau do altar e, de pés descalços, prostra-se três vezes, adorando Jesus Cristo representado sobre a cruz. Finda  esta  cerimônia, traz-se ao altar, em procissão solene, a Hóstia Consagrada, que desde a véspera achava-se no santo sepulcro. Chegado o préstito ao altar, o sacerdote a levanta, para ser adorada, e comunga. 
 Sábado de Aleluia. Este dia é consagrado especialmente a  honrar a  sepultura de Nosso  Senhor. As principais  cerimônias são: 
1.  Bênção do fogo novo, que se tira de um silex, e com o qual se acende um círio de três bicos, outras velas  e  a lâmpada do santuário. 
2. Bênção do Círio Pascal; 
3. Leitura das profecias;
4. Bênção da Água Batismal;
5. Ladainha de todos os  santos; e
6. Missa  solene  com glória,  durante  a  qual se tocam os sinos e  se cantam as aleluias.  Ao meio dia  acaba-se o tempo de Jejum, portanto, fim do tempo quaresmal. 
Domingo -  Festa da Páscoa.   Lembra  a  Ressurreição de Nosso  Senhor Jesus  Cristo. Como o predissera, ressurgiu dos mortos ao terceiro dia, provando assim sua divindade e a  verdade  da doutrina  que ensinou. 
Aproveitemos o tempo que nos é concedido viver  nesta terra, para que possamos cumprir todos  os preceitos do Senhor.  Com muito empenho, especialmente neste  tempo quaresmal,   fujamos  das más  inclinações e peçamos a Deus forças para podermos proporcionar frutos da mais digna  penitência e sincera conversão.  
*  *  *  *  *  *  *  *  *

O PROCESSO DE JESUS



                     I PARTE (Processo Religioso)
* Foi preservado o português da época (1921)
                   A Captura
 Hoec est hora vestra et potestas tenebrarum. -   Lucas - XXII, 53  

O  Era uma noite de quinta-feira do 14 de Nisan, ou de 06 de abril de 783 da fundação de Roma (1).  Quem, nessa noite, se tivesse achado na cidade de Jerusalem e   precisamente    nas   adjacendias    do  Palacio do Governador romano e   dos    Summos Pontificies, teria, sem duvida, notado um movimento, uma agitação que contrastava altamente com a  calma habitual que, a essas horas avançadas, costumava desfructar o bairro mais  aristrocratico da cidade dos Prophetas. 
Grupos de individuos armados de  espadas e páus (2) iam e vinham em attitude impaciente, provocadora, resoluta. De subito, uma companhia de  soldados, sob as  ordens  de um Tribuno, á qual se juntaram servos e subalternos dos grandes sacerdotes e phariseus, tambem armados, sahiu do Pretorio, tomando, apressadamente, a direcção noroéste. 
A lua (3) que nesse momento brilhava num céo recamado de estrellas, e envolvia, num nimbo de prata, a antiga capital da Palestina, batia em cheio, como uma lamina de aço, sobre o aspecto sinistro de um homem que, açulado pelo demonio da cubiça, parecia ser, si não o chefe, certamente o guia daquella turba eivada de odio e sedenta de sangue.  Era Judas de Keriot, o qual, seguido pelas praças e pela famulagem subornada, atravessando de leste a oeste a cidade alta, e tomando, depois, o rumo norte, passou o Cedron e parou um instante ao sopé do Monte das Oliveiras, a poucos passos dos muros que cercam o Gethsemani. 
Entrou.  Não lobrigando alma viva, dirigiu os passos para o lado norte onde uma especie de corredor descoberto, cavado, pela natureza, na pedra, dava acesso a uma gruta de 17 metros de comprimento, 9 de largura e 3,50 de altura (4). 
O personagem que se procurava e que nesse instante, com a alma crivada de angustias, se mantinha prostrado num canto, ergueu-se ao rumor dos passos em tropel, e esperou, resignado, a sorte que o odio recalcado dos seus inimigos lhe havia preparado. 
Estava para ter inicio o desenrolamento de scenas de horror, previstas, com admiravel clareza, oito seculos antes, pelo Propheta Isaias, scenas que deveriam ter, como remate, a mais clamorosa infamia que registra a historia da humanidade. 
Á vista dessa matula armada e guiada por um scelerado que, até bem poucos momentos, honrára com a sua amizade, Jesus (porque era Elle) sentiu-se profundamente ferido e disse:
_ Viestes capturar-me como si eu fora um ladrão; entretanto, todos os  dias eu estava comvosco no Templo e nunca me prendestes. (5)Mas, já que procuraes a mim só, deixae em paz estes meus amigos. (6)
Referia-se aos discipulos que levára comsigo. 
Poucos momentos depois, Jesus  era amarrado e, no meio de uma algazarra infernal, levado ao Palacio de Annaz.
Qual  fôra o motivo da captura de Jesus?  Apparentemente  algum crime religioso ou político de que os seus inmigos queriam tornal-o responsavel. Na realidade, porém, no fundo de todo esse zelo hypocrita em defesa da Religião ou do Estado, apparecia claro e insophismavel um sentimento de odio, filho do ciume incontido pela popularidade que alcançára Christo na Palestina. A majestade de seu porte, a graça ineffavel que transluzia do seu rosto, a ternura incomparavel do seu coração, o seu desvelo desinteressado em pról dos infelizes, a boa nova que annunciava e que vinha abrir, á sociedade, descortinos vastos e desconhecidos, a guerra sem quartel que, com um desassombro mumca visto, movia á ambição e hypocrisia dos potentados, esta e um sem numero de outras bellezas moraes de que andava exornado e que não se pódem traduzir em linguagem humana, arrastavam, após si, as multidões que, em momentos de irreprimivel entusiasmo, o acclamavam, delirantemente, Propheta e Rei! 
Accresce que, ultimamente, um grande acontecimento acabava de abalar todos os espíritos. Achando-se, seis dias  antes (8 de Nisan), Jesus, na cidade de Bethania, e tendo ahi, morrido o seu amigo Lazaro, ressuscitára-o com um prodigio. O facto  extraordinario echoara, com a rapidez do raio, de um canto a outro da Palestina, e cercára Jesus de uma aureola tão luminosa que, quando, dois dias depois, entrou em Jerusalém, fôra alvo da mais estrondosa e imponente manifestação popular.
Este delirio suscitado por Jesus, vinha encrustar  outra camada de odio no coração dos seus inimigos que, em precipitado concluio, juraram perdel-o:  _ Que havemos de fazer?  perguntavam uns aos outros,  este homem faz muitos prodigios, si o deixarmos continuar, todos crerão nelle: "Quid facimus?  Quia hic homo multa signa facit? Si dimittimus eum sic, omnes credent in eum" (7)
E a prisão de Jesus, effectuada na noite do 14 de Nisan, não era outra cousa sinão a consequencia do trama urdido no diabolico comicio. 
Eil-o, pois á presença de Annaz (8) amarrado como um malfeitor. 
Não se comprehende e não se justifica a razão pela qual a esbirralha quis arrastar Jesus á presença de Annaz que não cobria, havia muito tempo, nenhum cargo publico. Talvez, como opina Cornelio a Lapide, tomassem essa resolução por méra deferencia a seu genroCaiphás, Grande Sacerdote naquelle anno. Seja  como fôr, o que não padece duvida, é que Annaz fôra a alma de toda a conjura movida, secretamente, contra Jesus. De engenho vivo, astucia pouco commum, ambicioso em extremo, alcançára  de Sulpicio Quirino, Governador da Syria e da Judéia, o título de Grande Sacerdote, cuja funcção permanecera quasi dez annos. 
No dia da prisão de Jesus, havia mais de três lustros que não ocupava  esse supremo cargo.
Á sua influencia, porém,  e especialmente, ao seu genio intrigante e ao ouro que sabia profusamente espalhar em occasião opportuna, deve-se a nomeação, feita por Valerio Grato, do seu genro José Caiphás o Grande Sacerdote. (9)
Estando, pois, Jesus, perante Annaz, este, embora não lhe assistisse o direito, entendeu submettel-o a um interrogatorio preliminar, enquanto no Palacio de Caiphás se estavam tomando, ás pressas, as providencias para um interrogatorio mais completo e  um julgamento mais formal. 
Interrogatorio Preliminar

Começou a interrogal-o sobre seus discipulos e sua doutrina. 
Jesus nada tinha que responder a  quem, sem se achar investido do Supremo Sacerdocio, pretendia devassar-lhe a vida. Entretanto,  por nimia  condescendencia, entendeu responder-lhe dizendo: 
_ Eu sempre falei em publico e sem mysterio. A minha doutrina foi prégada na Synagoga e no Templo para onde vão todos os  judeus, e nunca préguei ás escondidas. Porque, pois, me interrogas?  Pergunta aos  que ouviram o que eu ensinei, estes devem saber o que eu disse. (1)
O Evangelista S. João, de cujo Evangelho extrahimos esta passagem, não nos diz qual o effeito destas palavras sobre o espirito de Annaz. A situação do astuto e Grande Sacerdote, porém, havia de  ser bastante critica. Jesus appelava, não para o testemunho dos seus discipulos que o acompanharam por toda a parte, pois teriam sido suspeitos e não se lhes teria acreditado, mas para o testemunho dos seus proprios inimigos perante os quaes tantas vezes prégara no Templo e na Synagoga. Qual testemunho mais insuspeito desde que houvesse empenho em se querer descobrir a verdade? 
A lição, que o improvisado Juiz não pedira ea que não estava preparado, mas que acabara de receber, havia de tornal-o bem pequenino e ridiculo aos olhos dos circumstantes. Então um servo bajulador, provavelmente no intuito de livral-o de uma situação tão humilhante, descarregou uma tremenda bofetada no rosto de Jesus dizendo: 
_ Desta maneira é que respondes ao Pontificie?    
A este acto de inqualificavel vilania, limitou-se, mansamente, a dizer: 
_ Si falei mal, dá testemunho desse mal, mas, si falei bem, porque me maltratas? 
Nada mais acrescenta, o Evangelista, a respeito desta scena selvagem, a não ser que Jesus, por ordem de Annaz, foi logo conduzido ao Palacio de Caiphás, para ser novamente interrogado e julgado pelo Synhedrio.  


O Synhedrio
 Podiam ser duas horas da madrugada de sexta-feira,quando Jesus  foi levado á presença de Caiphás. Numa das salas do Palacio do Grande Sacerdote acabavam de improvisar uma especie de tribunal, no qual,  pela rapidez dos acontecimentos, não poderam tomar parte sinão poucos membros do Synhedrio. 
O Synhedrio era, entre os judeus, uma especie de Supremo Tribunal onde eram examinados e julgados os crimes de heresia, apostasia, idolatria,  falso propheta, etc. 
Era composto de 71 membros divididos em 3 Camaras: A Camara dos Grandes Sacerdotes, a dos Anciãos e a dos Escribas ou Doutores da Lei.   
* Foi preservado o português da época (1921).
    Da Camara dos Grandes Sacerdotes
que Tomaram Parte no Processo de Jesus

Caiphás - Presidente do Supremo Tribunal.
Annaz    -    Sogro de Caiphás. 

Eleazar  
Jonathas
Theophilo
Mathias
Ananus
Gceva
}filhos de Annaz
Joazar
Eleazar
Simão Kanthéro
}da família de Simão Boéthos
João e Alexandre } que mais tarde fizeram parte do conselho que julgou Pedro e João   presos no dia de Pentecostes. 


Da Camara dos Anciãos
Ben Kalba Scheboua  e Ben Tistsit Hocassat   } capitalistas


Simão    _   Doutor da Lei
Doras    _   da família do Gov. romano Feliz 
João
Dorotheo
Triphão
Cornelio e José D'Arimathéa - dos que nos falam os Evangelistas

 Da Camara dos Escribas

Gamaliel - filho de Hillel, mestre de Paulo, Barnabás e Estevão.  
Simeão    - Filho de Gamaliel. 
Onkelos  - autor da paraphrase do Pentateuco 
Jonathas benm Huziel - autor da paraphrase sobre a Lei e os Prophetas
Samuel o Pequeno
Kananias ben Khiskhias
Ismael ben Beliza
Rabbi Zadok
Jokhanan ben Zakhai
Habba Saul
Heleazar ben Partha

                                                     Ao todo 39 membros
                                          Contavam-se 36 crimes contra os quaes era comminada a pena de morte. Para 17 havia a pena de morte pela lapidação, para 10 pela fogueira, para 2 pela espada, para 6 pelo estrangulamento. 
                                           Segundo Chauvin, de cuja obra extrahimos os nomes conhecidos dos Juizes que tomaram parte no processo de Jesus, o Synhedrio, quando completo, constaria de 72 membros, divididos em Tres Camaras de vinte e trews membros cada uma (e neste caso teriamos o Sinhedrio completo com 69 membros). Capecelatro (Errori del Renan nella visita di Gesú, Cap. XIX) dá tambem o numero 72. O mesmo numero dá Cornelio a Lapide, deva attribuir-se a  um simples cochilo, e que o mesmo numero admittido por Chauvin e Capecelatro não seja conforme a verdade. De facto, o mesmo Cornelio a Lapide, no mesmissimo Commentaria in Mattheum, Cap. XXVII, nota ao 1º. versiculo, dá o Synhedrio completo com 70 membros, e outro tanto faz em outros logares (Comm. in Num. C. XI, nota an vers. 16 -  Comm. in Deut.  Cap. XVII, nota ao vers. 9).
                                            De outra parte é sabido que Deus ordenou a Moysés de subir o Sinai com Aarão, Nadab e Abiu, filhos maiores de Aarão e mais setentaanciãos. Exod. XXIV, 1). Mais tarde Deus ordenou a Moysés de  escolher setenta homens  como seus auxiliares no governo do povo. (Num. XI, 16).  Estes setenta não são aquelles que acompanharam Moysés á subida do Sinai a que allude o Exodo, mas parte daquelles e parte de outros escolhidos posteriormente entre o povo. Estes ultimos (os dos Números) foram os  que formaram o Synhedrio em numero de setenta, numero que se conservou, em seguida, até aos tempos de Christo.  Parece, porém, que o  Presidente do Synhedrio não era dos 70, porque o officio dos 70 consistia em auxiliar o Supremo Pontifice. 
"Manserunt,  diz Cornelio a Lapide (Num. XI, nota ao vers. 16) hi septuaginta deinceps, et continuos habuere successores, etiam in Chanan, sed carentes spiritn prophetico. Nam solo consilio suo aderant Pontifici, qui summus Hebraeorum statuitur judex, erantque ejus consiliarii. Unde consilium horum (dos 70) cum Pontifice summum erat, et ab Hebraeis vocatum est Sanhedrim, graece Sunedrion.... Atque hi seniores fuerunt qui in magno illo suo Sunedrio, sive concilio, Christum mortis reum proclamarunt, et Pilato occidendum tradiderunt". 
                                           Sendo  assim o Synhedrio teria sido um Tribunal composto de 71 membros inclusive o Presidente, ou o Summo Pontifice.
                                           Esta opinião nos parece apreciavel. De facto si dos membros que compunham o magno Conselho, setenta careciam de espirito prophetico, e sabido como é que o dom da prophecia era privilegio exclusivo de quem se achava, revestido do Supremo Sacerdocio, e não sendo Summo Sacerdote nenhum dos setenta, é forçoso admittir alêm dos 70,  mais um,  que, occupando a Suprema Dignidade, fruisse desse dom divino. Este era o Summus Judex que, cercado pelos seus setenta auxiliares, formava o Supremo Tribunal ou Synhedrio.  
                                           Uma tal opinião é, aliás, corroborada por Felten (Historia dos tempos do Novo Testamento, Vol. II., Vers. ital. de L. E. Bongiovanni, Cap IX, pag. 27 e 28) e por J. Fouard (Vita di N. S. Gesu Christo,  2ª. Edic. Vers. ital. sobre a 18 franc. Vol. I. pag. 39 e Vol II, pag. 263).  Segundo os quaes o Synhedrio completo constava de 71 membros. Estes tomavam assento em forma semecircular.  A cada um dos dois extremos do semicirculo se assentava um secretario, encarregado, um, de tomar nota, durante o processo, de tudo que apparecia em favor do accusado, outro de tudo que depunha contra o mesmo. O accusado era cercado por guardas, ou officiaes subalternos munidos de cordas e tiras de couro, promptos, ao primeiro signal, a amarrar e a bater no réo. 
                                             Nas questões de direito civil ou cerimonial, a votação começada pelos mais notaveis anciãos; nas questões, porém, de direito criminal, onde se tratava de uma pena capital, a votação começava pelos mais moços, com receio de que estes se deixassem suggestionar pelos mais velhos. Nos crimes passíveis de pena de morte, tinham que tomar parte no Jurypelo menos 23 membros. Si pela votação resultasse a condemnação do réo por um só voto de maioria, então se acrescentavam mais dois membros, e não se alcançando, com isso, mais apreciavel maioria, continuava-se nesse processo até que o réo era absolvido ou condemnado por 36 votos contra 35.  
* Foi preservado o português da época (1921).
    Jesus na presença de Caiphas
                                            Foi, pois Jesus  levado á presença de Caiphás, precisamente na sala onde, ás pressas, se reuniram alguns membros do Synhedrio, para o julgamento. O plano do Synhedrio não consistia somente em eliminar Jesus, mas, entregando-o ao poder civil, em deshonral-o com uma  sentença judiciaria. 
                                           Como dissemos, pelas duas horas da madrugada de sexta-feira, se formou o Conselho presidido por Caiphás. Até ahi o despeito, a inveja, o odio tinham sido os unicos factores que tinham entrado em campo para a captura de Jesus.  E agora que o mais estava feito, agora que se achava em poder de seus inimigos, em presença dos seus juizes, tornava-se necessario definir-lhe a responsabilidade, assacando-lhe um crime que fosse passivel de pena capital. Outros elementos, pois, tinham que entrar em jogo, isto é, o sophisma, a mentira e a calumnia. Tudo isso, porém, sob uma tal qual apparencia de formalidades legaes. E como estas exigiam que o crime fosse, antes de tudo, comprovado pelo depoimento de testemunhas, deu-se começo aos trabalhos procedendo-se á inquirição das testemunhas. 
  
  Inquirição das Testemunhas

Submetteram-se, pois, ao interrogatorio algumas não só notoriamente falsas, como dizem S. Matheus e S. Marcos,  (1) mas cujo depoimento era até contradictorio. (2)
Sobre um tal depoimento não era absolutamente possivel construir um crime;  apresentaram-se, porém, duas que depuzeram: 
_ Nós o ouvimos dizer: Posso destruir o Templo de Deus e reedifical-o  em tres dias. 
_ Que respondes a isto?  - pergunta intimamente satisfeito, o Presidente do Conselho. 
Jesus não respondeu. Sabia perfeitamente que o Synhedrio jurara a sua morte, e que,portanto, qualquer tentativa de defesa tornar-se-ia completamente inutil. Manteve-se, pois, num silencio calmo e ao mesmo tempo imponente. Os papeis pareciam trocados, observa a este proposito Le Camus, "o accusado conservava a magestade solemne de um Juiz, e o Juiz mostrava a agitação febril de um accusado".  Era preciso sahir desta situação, romper esse silencio, mais expressivo e eloquente do que uma defesa. E visto como não lograria, pela ameaça ou pelo medo, arrancar uma unica palavra de Jesus, Caiphás recorreu a outro expediente: 
_ Eu te peço, - então elle disse como que inspirado, _ eu te peço em nome de Deus vivo a nos declarar si tú és o Christo filho de Deus! 
Jesus não ignorava que uma resposta affirmativa equivalia, aqui, a um decreto de morte.  Mas era necessario não deixar a minima duvida sobre a sua personalidade, era preciso proclamar uma verdade que era como que o eixo moral de toda a sua vida. De modo que: 
Tu o disseste, - respondeu solemnemente, _ Eu o sou!
A taes palavras, rasgando as vestes: 
_ Blasphemia, blasphemia! - Gritou o Presidente do Conselho.       _ Não ouvistes?  Que necessidade temos nós de testemunhas? 
_ Reus est mortis!  é reo de morte!  -  foram as unicas palavras que echoaram lugubremente sob as abobadas da grande sala. 
E Jesus foi condemnado á morte. Desde esse momento (podiam ser tres horas da madrugada) Jesus foi entregue á soldadesca, sob cuja custodia foi conservado até ao amanhecer, hora em que se reuniu,  novamente, o Synhedrio. 
Era, pois, o 15 de Nisan, ou 7 de abril de 783 da fundação de Roma, dia de sexta-feira, e cerca das 05 horas da manhã, quando todos os membros do Supremo Conselho, se achavam reunidos no Gazith. (3)
Apesar da solemnidade com que se quiz revestir o Synhedrio, tratava-se apenas de confirmar a sentença de morte pronunciada contra Christo, na madrugada daquelle dia, por uma fracção da assembléia. O interrogatorio, portanto, a que foi submettido Jesus, durou breves instantes. 
_ És tu o Christo? - foi-lhe perguntado. 
_ Si disser que o sou, - respondeu Jesus, _ vós o não acreditareis.  Si eu vos interrogar, vós não me respondereis, nem me deixareis em liberdade. 
_ Mas, afinal,  és tu o filho de Deus? 
_ Vós acabaes de dizel-o, eu o Sou! 
E mais nada. Era uma segunda edição, aliás compendiada, do interrogatorio precedente, com a differença de que aqui, não houve inquirição de testemunhas. Mas era o sufficiente. A assembléa alcançára o seu fim, isto é, ouvir da própria bocca de Christo a confissão de que era o Filho de Deus, o que constituia, para elles, delicto de pena capital. 
O Processo religioso estava terminado, e ia-se, em seguida, dar inicio ao Processo civil
   
Jesus na presença de Pilatos
 Aos tempos de Archelao, tendo a Judéa perdido a sua independencia, tornou-se Provincia Romana. 
Administrada por um Governador, era, este, o arbitrio supremo a quem eram deferidas todas as causas capitaes. Na occasião  do Processo de Christo, o Governador da Judéa era Poncio Pilatos. 
Descendente de uma nobre familia romana, soube em tempo insinuar-se no animo de Tiberio, de quem desposára uma parenta, Claudia Procula, e no anno 26 de nossa era obteve o governo da Judéa, em substituição  a Valerio Grato. Habitualmente residia em Cesarea, capital official e praça forte situada á beira mar. 
Em momentos de grande affluencia popular á capital da Judéa, se transferia á Jerusalém, como medida preventiva contra possiveis desordens. 
Ao Synhedrio, desde que os judeus perderam a  sua autonomia, era vedado condemnar á morte a  quem quer que fosse, tornando-se, este, um direito exclusive do representante de roma. (1) 
Eis a razão pela qual o Synhedrio, na manhã de sexta-feira, se empenhava com tanto interesse para que a sentença de morte, pronunciada por elle, contra Jesus, fosse confirmada pelo Governador Poncio Pilatos. 
Este, quando residia em Jerusalem, morava no Pretorio, contiguo á Torre Antonia, ao noroeste do Templo. Para p Pretorio, pois, foi levado Jesus, pelo Synhedrio e pelo povo. 
Podiam ser seis horas da manhã. O marulho popular a uma hora tão matutina, e em frente do seu palacio, não deixára de causar uma sensação desagradavel a Poncio Pilatos. Adivinhou logo, porém, de que se tratava quando viu levado á sua presença o proprio Jesus. 
O Interrogatorio

Os membros do Synhedrio e o povo ficaram de fóra. O accesso ao Pretorio, á casa da residencia de um extrangeiro, e extrangeiro oppressor, teria sido para elles uma acção abominavel, e especialmente nesse dia. Por isso só entraram os soldados. 
Pilatos foi ao terraço, e de lá, dirigindo-se ao povo: 
_ Que fez este homem? - perguntou. _ Qual foi o seu crime? 
Esta pergunta, assim ex abrupto, concisa e sem preambulos, que transformava, de repente, os membros do Synhedrio, de Juizes como pretendiam ser, em accusadores, irritou o povo que, com mal contida arrogancia, vociferou: 
_ Si elle não fosse um malfeitor, não o teriamos levado á tua presença!
Semelhante resposta parecia pôr em termos claros a questão. Os judeus queriam impôr, a Pilatos, o papel de carrasco, reservando para elles o de juizes. Pilatos, porém, não pensava deste modo, e subtrahindo-se habilmente, á cilada judaica: 
_ Si é assim, - exclamou, _ visto que o julgastes, condemnae-o tambem, de accordo com a vossa lei. 
_ Mas não nos é consentido condemnar á morte ninguem - observou a turba. 
Era uma confissão publica e bem humilhante que ao astuto Governador custára apenas uma ironia. O desfecho não era tão facil como a princípio parecia aos judéus, e a causa parecia tomar um caminho tortuoso e incerto. Que fazer? Não havia outro meio sinão assumir o papel de accusadores, e por isso gritaram:
 _ Encontramol-o amotinando o povo, aconselhando-o a não pagar o tributo a Cesar, e declarando-se Christo-Rei. 
Era evidentemente uma calumnia. Mas assim assacavam a Jesus dois crimes:  um religioso para os judeus, por significar a palavra Christo, Filho de Deus; outro politico para o representante de Roma, por se ter proclamado Rei. 
A esta accusação Pilatos pareceu impressionar-se, e levando Jesus aos seus aposentos particulares, perguntou:
Então tu és o Rei dos judeus?  - E Jesus: 
_ Isso dizes de ti mesmo, ou t'o disseram de mim? 
Como si dissesse: Entrou realmente no teu espirito alguma suspeita que eu ambicione a realeza, ou estás apenas repetindo a accusação dos meus inimigos?  No primeiro caso, tu que ha bastante tempo és governador da Judéa, estás, melhor do que qualquer outro, em condição de saber si algum dia pensei em introduzir qualquer novidade politica  que pudesse alterar a ordem do Estado. 
No segundo caso, compete a ti, como juiz, em dar o devido apreço a uma accusação, que não tem outro motivo sinão o odio dos chefes da Synagoga contra mim. (1) 
Pilatos, porém, não sabia o que esperavam os judeus, confiados nos seus Prophetas. 
Porventura sou eu judeu? - tornou elle.  Tua gente e os Pontifices a mim te entregaram, que fizeste? 
O meu reino não é deste mundo, - continuou Jesus; Si o fôra, pelejariam os meus  para que eu não fosse entregue aos judeus, mas não é daqui o meu reino. 
Assim, tu és Rei? - acudiu Pilatos. 
Tu dizes que sou Rei, - respondeu Jesus  para isso nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade;  todo o que é da verdade ouve a minha voz. 
Que cousa é a verdade? - perguntou Pilatos.  
Mas não esperou pela resposta. Convencido de que tinha que fazer com um sonhador ou um sabio, e não com um criminoso, dirigiu-se ao terraço e de lá falou: 
Trouxeste-me este homem como agitador popular, como perturbador da ordem, mas, examinado por mim, nada encontrei que fundamentasse as vossas accusações. Não acho, nelle, crime nenhum. 
Como póde ser assim? - acudiu a turba. Pois si não ha recanto da Judéa e da Galiléa que não tenha sublevado com a sua doutrina!!
O nome da Galiléa, pronunciado, aqui, não sabemos si intencionalmente ou não, calou no espírito de Pilatos. Era precisamente a Galiléa a terra onde o amor á independencia e á liberdade se mostrava sempre mais accentuad; era de lá que apparecia a scentelha da revolta que, num instante, se transformava em labareda caudal, propagando-se, incendiando toda a Palestina, e sublevando as massas contra o insupportavel e odiado jugo romano. Perguntára, pois, Pilatos, si Christo era galiléu, e obtendo resposta affirmativa, pensou logo em tirar proveito desta circumstancia. A Galiléa, diz Le Camus, "offerecia lhe um dessesexpedientes de que si utilizam sempre os homens politicos. Entrevia logo a possibilidade de enviar o accusado do Forum aprehensionis ao Forum originis, ou de domicílio". E este expediente offerecia-lhe uma dupla vantagem: desembaraçar-se de um processo complicado e importuno e reconciliar-se, por este acto de deferencia, com o Tetrarcha da Galiléa, que,  por motivos provavelmente de jurisdicção, mantinha, com Pilatos, relações um tanto frias. Este Tetrarcha era aquelle mesmo Herodes que mandára assassinar, na propria prisão, a João Baptista. 
Herodes
 Governador da Galiléa desde a morte de seu pae (1), fixava, ordinariamente, sua residencia, ora em Tiberiade, ora em Serapides, nas proximidades do Thabor. 
Nesses dias, porém,  se achava em Jerusalém para assistir ás festas de Paschoa, e occupava o Palacio ao norte do Monte Sião, parte da cidadella de David. A historia nol-o apresenta como homem sensual, supersticioso, covarde e cruel. 
Do Pretorio, foi, pois, Jesus levado a Palacio de Herodes. Para este, a surpresa foi duplamente agradavel. Era, como dissemos, da parte do Governador da Judéa um acto de deferencia, si não de justiça, para cm o Tetrarcha, reconhecendo, neste, o direito exclusivo de julgar, no caso vertente, o seu jurisdiccionado. Neste ponto, a sua vaidade ficara satisfeita. Mas havia outro motivo de satisfacção.  Ouvira falar das obras extraordinarias de Christo e esperava, já que a sorte o protegia, satisfazer a sua curiosidade, obrigando Jesus a praticar, em sua presença, algum prodigio, passando assim, em companhia dos seus intimos, um quarto de hora divertido. 
Enganava-se, porém. Ás perguntas que lhe dirigia, Jesus não se dignou responder uma unica palavra. Irritado Herodes, e querendo, de certa maneira, vingar-se da decepção soffrida, deliberou tratal-o como louco, ordenando que lhe puzessem aos hombros um manto branco, symbolo de suprema dignidade em uso entre os Monarchas Hebreuse os Magnatas de Roma. Assim trajado, teria servido de alvo ás zombarias e remoques da garotada insolente. 
Entretanto, si o incestuoso ascalonita tivesse tido, naquelle momento, a intuição clara do futuro, teria previsto que esse Rei de burla, exposto, nesses dias, nas praças publicas de Jerisalém, aos apupos da patuleia, dahi a não muito, e no correr dos seculos vindouros, havia de se tornar, na verdade, o monarcha incontestado de milhões de corações, de todas as raças e de todos os paizes, de todas as castas e de todas as hierarchias, desde o jornaleiro mais humilde, até ao Soberano mais poderoso, desde a intelligencia mais acanhada, até ao mais rutilo genio! Teria visto que, só ao pronunciar  o seu nome adoravel, milhões de joelhos haviam de se dobrar reverentes, e as cabeças mais altivas de imperadores e Reis haviam de se inclinar em signal de respeito e veneração!
Mas Herodes, naturalmente, nada previu, e reenviou Jesus, assim trajado, ao Governador Pilatos. 

 A CONDEMNAÇÃO (Jesus de volta a Pilatos)
 Muito expressivo era o reenvio de Jesus. Significava claramente que, no entender de Herodes, Jesus era innocente. Convicção que coincidia perfeitamente com a de Pilatos. Christo podia ser um visionario, um allucinado, nunca, porém, um revolucionario, um turbulento, de quem devessem temer as instituições publicas. 
Convencido desta verdade, e no intuito de salvar Jesus, depois de terem, de novo, levado Christo á sua presença: 
Vêde - exclamou, dirigindo-se do terraço aos membros do Synhedrio e ao povo.   este homem é por vós accusado de revolucionario, perturbador da ordem, entretanto Herodes e eu, depois de o ter examinado, nada descobrimos que mereça a morte. Portanto, sujeital-o-ei a uma punição e pol-o-ei em liberdade. (1)  Ha, além disso, o costume de livrar todos os annos, no dia de Paschoa, um criminoso. Temos um, denominado Barabbas, preso por crime de morte. A quem quereis, pois, que eu dê a liberdade, a Barabbas ou ao Rei dos judeus? 
A Barabbas, a Barabbas - uivou a turba, acirrada pelos Principes dos Sacerdotes e pelos anciãos do povo. (2) - Tolle hunc, morra Jesus, et dimitte nobis Barabbam, e solta Barabbas. (3) 
Mas que quereis que eu faça do Rei dos Judeus? 
Seja crucificado!
Mas que mal tem feito elle? 
Seja crucificado! - trovejou a turba allucinada (4)
Era evidente  que o medo começava a apoderar-se do espirito de Pilatos. Os inimigos de Jesus iam ganhando terreno, e os Principes dos Sacerdotes, colleando entre o povo, açulavam-n'o para que reclamasse com insistencia, a morte de Jesus. (5)  Luta terrivel travava-se na sua consciencia. Possuia provas indiscutiveis  sobre a innocencia de Christo. Sabia perfeitamente que a guerra movida contra Elle não tinha outro motivo senão a inveja, o ciume, o odio. Condemnar, portanto,  um tal homem a morte, teria sido uma clamorosa injustiça. Cansado de lutar, ordenou que lhe trouxessem agua, e lavando as mãos em presença do povo: 
Eu sou innocente- exclamou - do sangue deste justo,  ficará por vossa conta. 
O seu sangue foi-lhe respondido - cáia sobre nós e sobre nossos filhos! 
Pilatos tentou um ultimo esforço. Mandou flagellar Jesus e depois, esperando mover a compaixão do povo, lh'o  apresentou, do terraço, dizendo: 
Eis aqui o homem!
Falhara, porém, o effeito. A turba em vez de compaixão, redobrou de furor e gritou: 
Crucifige, Crucifige! Á cruz! Á cruz!  
Pois então crufificae-o vós, - retrucou exasperado Pilatos, porque, repito, não encontro, nelle, culpa alguma para condemnação: eu não acho neste homem crime algum. (6). 
E os judeus: 
Nós temos nossa lei, e pela nossa lei deve morrer, porque se fez a si proprio Filho de Deus. 
Pilatos tornou-se mais pensativo.
Filho de Deus?  Certamente, é um homem extraordinario! E si fosse um protegido dos Numes?  A sua morte seria, sem duvida, vingada. Os coriscos de Jupiter, o dardo envenenado de Marte, as fléchas esfusiantes de Phebo, não faltariam contra o audaz que se atrevesse  a ferir de morte a um amigo dos Deuses. 
O governador romano era supersticioso; era, pois, possivel que semelhantes pensamentos lhe agitassem o espirito. Emfim,  reentrou no Pretorio com Jesus, a quem pergunrou: 
De onde és tu? 
Jesus não respondeu. 
Não me respondes? Porventura ignoras que tenho o poder de pôr-te em liberdade ou mandar-te cruficar? 
Não terias esse poder - ponderou Jesus - si não te fosse dado do alto. Quem, porém, me entregou a ti, commetteu peccado maior. 
Realmente, Pilatos estava envolvido neste processo mais pela pressão dos judeus do que por sua vontade. Seu desejo, estava visto, era salvar Jesus. Os judeus perceberam o perigo e lançaram mão de um ultimo expediente. 
Si o puzeres em liberdade - gritaram - accusar-te-emos de inimigo de Cesar. Não póde ser amigo de Cesar, quem defende um indivíduo que pretende ser Rei dos Judeus. 
Esta ameaça cahira como um raio sobre a relutancia de Pilatos. A questão já estava  mudada: do terreno religioso passára para o terreno politico, transformando de repente, a face do processo. 
De facto, não se tratava mais de um visionario que queria ser Deus, crime com que nada tinha a vêr com o Direito Romano, mas sim de um homem que pretendia ser Rei de um Paiz e de um Povo, havia annos, sujeito ás aguias romanas. 
Uma tal pretensão constituia o crime de lesa-magestade, contra o qual se mostrava sempre inexorável a lei do paiz, especialmente imperando Tiberio, cioso em extremo da sua autoridade. Era o perduellio, delicto contra a segurança do Estado ou contra a ordem publica, reprimido severamente desde os tempos de Tulio Hostilio (7), contemplado nas XII Taboas que, segundo Justiniano, condemnavam o réu á morte (8), e na Lei Julia que, segundo o mesmo Justiniano, alcançava sempre quem de tal delicto se tornasse culpado. (9)
A accusação, pois, era gravíssima, e o delicto que assacavam a Christo era o maior de todos os delictos, omnium accusationum complementum, diz Tacito. Accresce que, justamente nesses dias, Tiberio acabava de dar um exemplo de rigor, condemnando, por tal crime, Antistio Vetere, de Macedonia. (10)
É de notar, além disso, que na época em que se desenrolavam os acontecimentos que estamos narrando, reinavam o despotismo mais deprimente e o servilismo mais vergonhoso. Honra, dignidade, fortuna, desgraças, perseguições, tudo dependia da vontade de um só, o Imperador de Roma. Sabia-o perfeitamente Pilatos. Elle mesmo devia o governo da Judéa á protecção de Tiberio, como Antipa, Agrippa I, Agrippa II, o deviam, respectivamente, a Augusto, Caligula e Claudio. Os que, pela sua posição social, podiam manter-se altivos e independentes, rastejavam vilmente como vermes da terra. O servilismo casara-se com a bajulação, e esta se alastrara de uma maneira tal, que alcançara os caracteres mais rijos, as individualidades mais em destaque do paiz.    
O Senado Romano, que, em tempos não muito remotos, era cercado de uma magestade na verdade imponente, o Senado, que outr'ora, apoiado na sua suprema autoridade, com mão firme e segura regia, soberanamente, os destinos da nação, estava , agora, reduzido a  um miserável rebanho de carneiros e de bajuladores abjectos. Svetonio conta-nos, a este respeito, baixezas taes, que envergonhariam um escravo. Houve  senadores que, por méra adulação, correram a pé, diversos kilometros, atraz do coche do Imperador Calígula, querendo dar a entender que não lhes teria sido possível viver longe da sua presença.  Outros,  jantando com elle, levantavam-se, de repente, da mesa, para, de avental posto, terem a dita  de servir-lhe de copeiros; ao passo que outros ainda consideravam como uma honra, uma felicidade invejavel, poderem comer deitados aos seus pés. E o Augusto, Optimo , Maximo, o Immortal, o Divo Imperador, sabia recompensar, não raro, tão nojenta abjecção, com as mais cortantes affrontas. Quando lhe dava na vontade, mandava expulsar do Circo, na hora do espetaculo, e a  vergastas, os personagens mais conspicuos do patriciado romano (11)
E a bajulação não circulava sómente pelas altas, mas, e com maior razão, percorria também as médias e infimas camadas sociaes.  Interessante é o que, a proposito nos diz, numa das suas satyras, Juvenal: Era o rico fulano um tysico transparente que mal se regia em pé? Aos olhos de  seu bajulador era um Hercules. Accendia, o poderoso, a chaminé ao esfusiar dos primeiros ventos d'inverno? O seu bajulador era o primeiro a  concordar e affirmar que a estação era extremanente rigorosa e corria á casa para envergar a capa forrada de lã. Acenava, o rico, ao calor?  O seu  alter ego á suava em bagas. Este até achava uma certa graça no modo de arrotar daquelle, e não raro solicitava a honra de tirar auspicios, do que o válido  deixava no fundo  do vaso nocturno.  (12) Bastaria esta satyra para definir o carater moral  de uma época. Qualquer acção, pois, por mais torpe que fosse, era licita, comtanto que della resultasse um beneficio pessoal. 
Pilatos era, portanto, o homem do seu tempo: egoísta, adulador, covarde e, na occorrencia, cruel. 
Perante a ameaça formal feita pelos judeus, extremeceu e recuou de medo. Ja outras queixas tinham sido levadas, contra elle, perante Cesar. Mas uma accusação como esta, teria sido mais que sufficiente para, na melhor das hypotheses, condemnal-o a aquae et ignis interdictio, isto é, abrir-lhe as portas do desterro. E nem por sombra teria cooperado para este fim. 
Era, pois, preciso satisfazer, acariciar a féra, o povo; era preciso adulal-o, e, sobretudo, era preciso conservar-se, custasse o que custasse, no Governo da Judéa. Afinal, que lhe importava a vida de Christo?  Que fosse sacrificado, visto que o exigia a sua tranquilidade. O dever tinha que ceder ao interesse, a justiça havia de immolar-se em holocausto  das suas conveniencias pessoaes. Tornava-se, Jesus, um obstaculo que lhe atravessava o caminho?  Desembaraçar-se-ia delle! Condemnando Jesus á morte, adulava Tiberio, agradava ao povo, conservava o Poder e assegurava o futuro. Condemne-se, pois!
Pilatos, tomara, definitivamenbte, a sua resolução, e desde esse momento, Christo, estava perdido. 
Segundo a praxe, a sentença havia de ser ouvida pelo proprio accusado. Por isso Pilatos mandou vir á sua presença Jesus, que se conservara no Pretorio. Outrosim, a lei exigia que a sentença fosse dada em publico, e em logar elevado. Era este o Lithostrotos. Pilatos subio ao throno e mostrou Jesus ao povo, dizendo: 
Eis o vosso Rei. 
Á cruz, á cruz! - trovejou a multidão. 
Condemnarei o vosso Rei? 
Nós não temos outro Rei a não ser Cesar. 
A victoria estava ganha; o povo deicida tinha triumphado! Pilatos lavrou o decreto fatal; Ibis ad crucem! (13) e entregou, immediatamente, Jesus aos seus encarniçados inimigos. 
Duas horas mais  tarde, sobre o cimo cruento do Golgotha, pendia, de um madeiro infame, o corpo livido do filho de Maria!  No momento, porém, em que o Grande Justo  estava para exhalar  o ultimo alento, no instante em que a morte estava para lançar seus  braços á Víctima Divina,  a natureza inteira pareceu, de repente, tomada de indescriptível pavor! O sol escondeu sua face de luz (14), um subito terremoto causou um abalo espantoso (15), fenderam-se as rochas, rasgou-se de alto a baixo o véu do Sancta Sanctorum, e uma immensa desgraça, como uma capa de chumbo, pareceu, por momentos, cobrir a vasta superficie da terra!
Do alto do Calvario, feito êrmo pela fuga dos homens e mergulhado em trevas profundas, ouviu-se um grito de suprema angustia. Era o grito do Suppliciado, e era o ultimo: Jesus tinha expirado!...  
   
II Parte - O Processo segundo Renan

Estribados  na narração evangelica que, segundo o proprio Renan,  se impõe ao nosso respeito pela  sua authenticidade historica, procuramos expôr, com toda a  fidelidade, tudo quanto affecta, substancialmente, o famoso Processo em que fôra envolvido, e por que fôra condemnado, Jesus Christo.  
Por essa simples narração, parece evidente, a todo o espirito sereno e imparcial, que Jesus fôra preso, julgado e  condemnado com violação flagrante da lei e da justiça.  
O Processo, pois, fôra nulo de pleno direito e por conseguinte a pena capital comminada e executada contra Jesus, não fora outra cousa sinão um verdadeiro assassinato legal. 
Pelo que nos consta, tem sido esta, durante 19 seculos, a opinião daquelles que têm encarado i parcialmente a horrenda e inolvidavel tragedia que teve o seu cruento epilogo no topo do Calvario. Não podia,portanto, deixar de causar profunda e amarga impressão o apparecimento da obra Vida e Doutrina de Jesus Christo de J. Salvador, onde, pela primeira vez, se tem tentado justificar o iniquo procedimento do Synhedrio relativamente ao Processo de Jesus Christo, e defender sua suposta legalidade. 
A obra de J. Salvador cahiu, felizmente, no olvido, mas por desgraça veio substituil-a uma outra que encontrou, e encontra ainda, acolhimento enthusiasta, especialmente entre o publico de curta leitura e de senso critico mui limitado. Alludimos á  Vida de Jesus de E. Renan.  (1)
E é justamente por isso, é por sabermos que é mais lida e conhecida, que porfiamos em chamar a attenção do leitor sobre as  insinuações, sophismas, falsidades de que lançou mão Renan notocante especialmente ao Processo de Christo, soccorrendo-se, para isso, embora não o declare, da obra do Salvador. (2) 
Antes disso, porém, recordemos, succintamente, as phases principaes do Processo. 

Jesus  é preso na noite de quinta-feira, 14 de Nisan, ou 6 de abril. Nessa mesma noite de  quinta para sexta feira, é  submettido a  dois  interrogatorios:  o primeiro  teve logar cerca de meia noite na presença de Annáz;  o segundo,  mais ou  menos ás 2 horas da madrugada de sexta, nos aposentos de Caiphás, e perante este ultimo. Naquelle, nada se descobriu em desabono de Christo; neste, compareceram testemunhas que accusaram Jesus de crime contra a existencia do Templo, affirmando que Christo dissera: "Eu posso destruir o Templo de Deus e reedifical-o em tres dias". Mesmo assim,  o depoimento era contradictorio. O proprio Caiphás julgou-o insufficiente; este procurou, pois, outro rumo e perguntou a Jesus si era realmente o Christo filho de Deus.  E Jesus respondeu: Eu o sou. 
Caiphás não precisou de mais nada. Considerar-se Filho deDeus era crime de pena capital, e no mesmo instante foi julgado por alguns membros do Synhedrio e condemnado á morte. 
Na mesma sexta  feira, desde as cinco horas até cerca das onze da manhã, Christo foi submettido a  quatro interrogatorios, a saber:  O primeiro, perante o Synhedrio reunido, ao completo, ao amanhecer daquelle dia. O segundo, perante Pilatos, mais ou menos ás  7 horas da manhã.  O terceiro, perante Herodes, das oito para as nove. O quarto, de novo perante Pilatos, das dez em diante. No 1º. , o Synhedrio confirmou a sentença de morte, pronunciada por alguns membros ás  duas horas da madrugada. No 2º. , Pilatos o achou innocente. No 3º Herodes não descobriu crime nenhum. No 4º,  Pilatos confirmou  a sua opinião anterior sobre a innocencia de Jesus, amedrontando, porém, por uma ameaça popular, condemnou-o á morte. 
Pois bem, Renan, na sua obra citada, começou a mystificar, sophismar, embrulhar e alterar os factos, desde o primeiro interrogatorio.  Cedamos-lhe a palavra: " Começou o  interrogatorio, diz Renan; compareceram perante o tribunal muitas testemunhas preparadas de antemao, segundo o processo inquisitorial exposto no Talmud".
Este topico é nebuloso. Antes de tudo, que testemunhas são estas?  Qual é o seu valor moral?  Renan muito intencionalmente nada nos diz, a este respeito; apenas nos conta que ahi estavam preparadas de accordo com o processo inquisitorial.  Mas o processo inquisitorial não admittia testemunhas falsas. Taes, entretanto, eram as testemunhas em questão; o Evangelho fala claro:  "E o Príncipe dos Sacerdotes e todo o Conselho buscaram algum testemunho falso contra Jesus  para o poderem matar, e não achavam, ainda que  muitas falsas testemunhas se apresentassem. Vieram finalmente  duas  testemunhas - duo falsi testes - para depor, etc, etc"  (Math. XXVI, 59,60, 61)  contra Jesus "depunham o falso... e o depoimento das  testemunhas era contradictorio;  falsum testimonium ferebant adversus eum... t non erat conveniens testimonium illorum". (Marc. XIV, 57,59)
Em que estavam, pois, de accordo, as testemunhas, com o processo inquisitorial daquelle tempo? 
Si Renan entende  dizer que o comparecimento e o interrogatorio eram  exigidos pelo processo inquisitorialnos diz  uma banalidade; e si entende  insinuar, e aqui é em que está o ardil de Renan, que testemunhas e  depoimentos estavam de  conformidade  com as  disposições legaes contidas no processo inquisitorial, é falsissimo, porque não era admittido o depoimento de falsas testemunhas, como não era  admitido o depoimento contradictorio. 
Continuemos. "As palavras fataes, diz Renan, que Jesus tinha realmente pronunciado -  Eu destruirei o templo de Deus e  o reedificarei em três  - foram citadas por duas  testemunhas". 
As duas testemunhas  a que alude o philosopho francez, são as ates duas falsas testemunhas duo falsi testes, que citamos acima e de quem fala S. Matheus. 
Renan, que tanto gosta de  apontar a origem evangelica de suas citações, devia indicar tambem  esta, e especialmente esta, que é  de uma gravidade excepcional. Mas,  está  claro, não lhe convinha, e não lhe convinha pela simples razão, que em todos os quatro Evangelhos não ha uma  unica palavra que alluda este facto. Jesus nunca disse  tal, sabe disso Renan, mas a verdade ás vezes  prejudica. 
As fataes palavras foram pronunciadas, não por Crhisto, mas sim pelas  testemunhas que desvirtuaram uma expressão proferida por Jesus, desde o inicio de  sua vida publica, e , precisamente, no dia em que expulsára os profanadores do templo. 
Jesus expulsára-os exclamando: "Nolite facere domum Patris mei, domum negotiationis" (Joan 11,16) ,  isto é:  não façaes da casa de meu Pae, uma casa de traficancia! De meu Pae? pensaram os judeus escorraçados. Quaes são, perguntaram-lhe, as tuas credenciaes, que signal nos apresentas, para que acreditemos que tu és o Filho de Deus?  Foi então que Jesus respondeu: "Destrui este templo, e em tres dias o restabelecerei". 
Jesus, observa a  este proposito S. João, serviu-se, aqui, de uma linguagem figurada, entendendo, por templo , o proprio corpo;  como si dissesse: matai-me, e depois de morto resuscitarei;  a  minha resurreição será o signal
As  testemunhas, pois, em presença de Caiphás,  quizeram alludir a  esta ciscumstancia, mas desvirtuaram, por completo, as palavras de Jesus, dando-lhes um sentido muito diferente. 
E, Renan, sabe perfeitamente disso. Sabe quanta  perfídia ha no fundo dessa interpolação voluntaria das  duas falsas tstemunhas. Podia, pois, narrar os factos adstringindo-se, rigorosamente, é verdade  historica, mas, repetimos, isso não convinha ao filho de Voltaire. Si assim fôra, não teria podido, aqui como no resto, forgicar uma Vida de  Jesus ad usum Renan, isto é, um romance onde a phantasia não raro supre a realidade, onde o meigo nazareno devia figurar com um caracter, mixto de grandezas e baixezas, de heroismos e  covardias, um Jesus, enfim, em cujos traços physionomicos havia de prevalecer o cunho, não da  sinceridade e lealdade dos evangelistas coévos, mas da doblez manhosa e astuta do racionalista do seculo XIX. 
Mas vamos adiante. 
"Segundo o judaísmo orthodoxo, assim se  exprime Renan, elle era um verdadeiro blasphemador, um destruidor do culto estabelecido; ora a  lei pune esses crimes com a morte" . 
Christo, pois, na opinião do romancista francez, teria praticado um duplo crime: um por ter blasphemado do Templo; outro por se ter declarado  Filho de Deus. E em apoio do seu asserto cita o dispositivo legal consignado no Levitico e no Deuteronomio. 
Mas  que diz a lei? Eil-o: "Leva o blasphemador fóra do acampamento, e os que o ouviram blasfemar, ponham-lhe as  mãos sobre a cabeça e  depois todo o povo o apedreje... E quem tiver blasphemado o nome do Senhor, seja condemnado á morte" . É do Levitico. (Levit. XXIV, 14,16) 
Não citamos, ipsis verbis, o dispositivo do Deuteronomio porque, abrangendo doze versiculos, nos tomaria muito espaço; está, porém, condensado nisto: - Deus comndena á morte o falso propheta e quem allicia o povo para determinal-o a  prestar culto aos  falsos deuses. (Deut. XIII, 1 e seg). 
Pois bem, Christo cahiria na violação do dispositivo legal contido no Levitico?  Era cabivel a  accusação feita contra Christo, isto é, ter elle blasphemado do Templo, e portanto de Deus?  Um criterio seguro sobre a culpabilidade de  Jesus só podia descansar sobre o depoimento de testemunhas dignas de fé. Mas as testemunhas  citadas para isso eram falsas, dil-o categoricamente o Evangelho: duo falsi testes (Math. XXVI, 60) , cujo depoimento era contradictorio: "Et non erat conveniens testimonium illorum". (Marc. XIV, 59.).  Por lei um tal depoimento e da parte de  taes testemunhas, não só era desprovido de valor , como determinava penas contra quem o fizesse.  A lei era  clara a este respeito: "Non loqueris contra proximum tuum falsum testimonium": Não levantarás  falso testemunho contra o teu proximo (Exod. XX, 16).  "Non factes calumniam proximo tuo:  Não levantarás calumnia contra o teu proximo. (Levit. XIX, 13).  E si depois de um exame  escrupulosissimo,  diligentissime perscrutantes, os juizes chegassem a possuir provas de que a testemunha levantára o falso testemunho contra o réu, deviam condemnar a falsa testemunha á lei do talião, isto é,  á  mesma pena a que teria sido condemnado o imputado, uma vez comprovado o crime: "Reddent et sicut fratri suo facere cogitavit" (Deut. XIX, 16 e seg). 
Pois bem , contrariamente a quanto determinava a lei, as testemunhas foram deixadas  em paz. Apesar deste menosprezo legal, o seu depoimento não foi tomado em  consideração, em que pese a  Renan, que parece ligar-lhe toda a  importancia. E a prova disto está no facto que o Presidente do Conselho, não achando nelle, um ponto de apoio, uma base  sufficiente para condemnação, recorrera a  outro expediente, interpellando Jesus si era, na verdade, o Christo, Filho de Deus. A resposta affirmativa de Jesus era justamente o crime que se procurava, pois, segundo a  orthodoxia judaica, constituia delicto digno de morte. Foi, portanto, condemnado pelo Synhedrio, não porque tivesse blasphemado do Templo, mas, e unicamente, porque se  declarára Filho de Deus.  Esta declaração tornára-se, de repente, o alvo dos ataques, o nucleo para o qual havia de  gravitar toda  a questão, a arma da  qual haviam de se servir os seus inimigos para votal-o á morte. E foi, com effeito, por isso, repetimos, que  foi condemnado. 
O que não significa, aliás, que a condemnação fosse legal; pelo contrario. Porque é  verdade que as passagens do Levitico e Deuteronomio, citadas por Renan, condemnam á morte a blasphemia, o suborno, o falso propheta, mas  falta justamente provar que o Christo incorrera  nestes crimes. 
Era blasphemador, porque se declarara Filho de Deus? Era falso propheta? Pretendera levar o povo á adoração de um Deus que não fosse o Deus de Abraão, Isac e Jacob? 
A Assembléa era obrigada certificar-se, e  por isso  estudar desapaixonadamente e  maduramente a questão. Não podia, por ventura, ser realmente, Christo, aquelle msmo, de quem, havia seculos, os Prophetas vaticinaram a  vinda? Os signaes característicos   que lhe definiam a  prsonalidade, encontravam-se, na verdade, na sua pessôa? Eram perguntas que deviam ter sido feitas e deveriam ter motivado serias e demoradas  reflexões. 
Que haviam dito, de  facto, os Prophetas a respeito de Crhisto vindouro?  Que teria  nascido de uma Virgem (Isaias VII,14), na Cidade de Belém (Micheias V, 2), precedido por um Precursor cuja voz se fazia ouvir no deserto (Isaias XL, 3). Que faria justiça ao pobre, e sua lingua seria espada de dois gumes contra a prepotencia dos impios (Isaias  XI, 4). Que estabeleceria, em vz dos velhos, um Sacrificio novo e grande, consagrado em todo o universo (Malachias 1,11).  Que,  montado sobre uma jumenta, entraria triumphante em Jerusalem (Zacharias IX, 9).  Que teria sido vendido por trinta dinheiros (Zacharias XI,12). Que lhe teriam arrancado a barba e teria sido esbofeteado, cuspido, flagellado (Isaias L, 6).  Que se  teria tornado o opprobrio dos  homens, a abjecção da plebe, objecto de zombaria e  escarneo (Psalmos XXI, 6-7). Que seria desprezado como o ultimo dos homens, que se tornaria o homem das dôres, ferido, humilhado, supportando tudo, como um cordeiro, sem emitir um lamento (Isaias LXIII, 3 e seg) . Que na hora do perigo teria sido abandonado pelos  seus discipulos (Zacharias XIII, 7), por um destes trahido. (Psal. LIV, 13-14). 
Todos  estes signaes encontravam-se  em Christo e  constituiam os traços mais firmes  e typicos de sua physionomia moral.  Havia seculos os olhares dos Patriarchas e dos Prophetas  estavam convergidos para Elle; a cada passo era invocado, deseJado, suspirado; os ritos, as  cerimonias, os symbolos, não eram sinão o Prefacio de uma obra colosal, cujo protagonista havia de  ser o Christo-Redemptor. 
Como, pois,  não conhecer á sombra das  figuras, ao retrato dos Prophetas? 
Ao menos houvesse uma attenuante em favor do Synhedrio, allegando-se, por exemplo, a ignorancia das Sagradas  Escripturas. Mas  como admitir  isso nos membros de um Supremo Tribunal? E ainda que, por cumulo de condescendencia, se queira, em parte, admittir uma tal anomalia, é preciso  não se esquecer que  um terço do conselho era  formado de Escribas, isto é, de Doutores da Lei, quer dizer, de technicos e profissionaes. 
Estes, sem dúvida, haviam de  conhecer as passagens da Sagrada Escriptura que se referiam á pessoa de Christo, e , de outra  parte, o Jesus coevonão lhes podia ser estranho. De facto, cousas extraordinarias deram-se em Belém, na época de seu nascimento. Mal attingira a  edade de  doze annos, fôra visto na Synagoga entr os Doutores da Lei, assombrando-os com o seu saber. O Portento das bôdas de Chanaan, desde o inicio de sua vida publica, abrira-lhe, de par em par, as portas da celebridade. Os prodigios que, durante tres annos, operara na presença de  innumeras  tstemunhas, levaram seu nome tão alto que, desde as  praias da Idumea até as  rochas  do Antilibano, desde o cabo do Carmelo até ás  nascentes do Jabboé, não havia quem o conhecesse. 
Assistia, pois, a estes membros do Comselho, o estricto dever, antes de  se  abalançarem a  uma sentença condemnatoria de  tanta gravidade, de consultar os Livros Sagrados, estabelecer parallelos entre o Christo vaticinado e o Christo atual, fazer confrontos, aproximar o retrato  ao original contestado, e verificar se havia isomorphia nos traços, semelhança  nos desenhos, igualdade nas proporções. Era isso  o que incumbia  a Juizes serios e imparciaes, dispostos  a se manterem nas elevadas e serenas regiões da justiça. 
Mas  nada disso succedera. Aggrediram-n'o, alta noite,como um ladrão preso em flagrante, sem mesmo saber de  qual crime  haviam de  accusal-o; e sem  julgamento, sem provas, sem defesa, fôra da hora legal, precipitadamente, o condemnaram  á pena  capital. 
E o Sr. Renan, com uma  sem  cerimonia que assombra, nos vem declarar que o Processo fora  perfeitamente  legal,que estava de accôrdo com as regras juridicas da época, de  plena conformidade com as normas processuaes entre os  hebreus! 
E nos  cita até  a  lei violada por Jesus, que serviu de base ao processo e  que  justifica plenamente a  attitude do Synhedrio. E essa lei, segundo elle, é justamente a  que se acha  consignada no Cap XXIV do Levitico e  no XIII do Deuteronomio. Resta apenas  conhecer como é que Renan sabe que  Christo fôra condemnado precisamente por ter violado a  lei citada por elle. 
Porque é verdade  que o Synhedrio e  o povo reclamaram a morte de Jesus em nome da  lei, mas é também  verdade  que,  nem o Synhedrio, nem o povo, nem pessôa  alguma, nunca citou, dessa famosa lei, uma única palavra, de  sorte que, até hoje, depois de  vinte séculos, não sabemos em virtude de que lei, afinal, Jesus  foi condemnado. 
Renan não se incommoda por tão pouco, e  sem mais nem menos, aponta a Lei, cita os Capitulos e exhuma os versiculos. Privilegio exclusivo do poeta e do romancista! 

Os "Cidadãos Romanos"
Justificada a attitude do Synhedrio, Renan passa a preparar o animo do leitor em favor de Pilatos. Começa, pois, dizendo que "todos os actos de Pilatos que nos são conhecidos, o mostram como administrador". Bôa  qualidade, sem duvida,  mas que não impediu a Philon, que o conhecia mais de perto, de attribuir-lhe uma "natureza rude" e  qualifical-o de "prepotente e implacavel". 
Desejára Pilatos, como observa o escriptor francez, "salvar Jesus", porque, afinal, pareceu-lhe,   depois de o  ter interrogado, apenas um "sonhador inoffensivo". Lembrára-se  então, de trocar Jesus por Barabas, mas falhou o plano, o que lhe causou bastante embaraço, receiando até que "tanta indulgencia com um accusado... o viesse comprometer." (1)
Então o bom administrador, que acabára de  reconhecer em Jesus  um cidadão "inoffensivo", o condemnou, tanto para agradar á patuleia e aos membros do Synhedrio, ao supplicio da flagellação.  Supplicio barbaro, tão barbaro, que o proprio Cicero qualificára-o de media mors, meia  morte. 
Depois da flagellação os soldados  entregaram-se a outros actos de verdadeira selvageria, pondo-lhe sobre os hombros uma farda vermelha, na cabeça uma corôa de espinhos, uma canna nas mãos, esbofeteando-o, cuspindo-lhe no rosto, arrancando-lhe a barba, etc., etc.
Mas veja bem o leitor: O Renan tomou o alvitre de não crêr em tal vandalismo. Porque, "custa a  comprehender, diz elle, como a  gravidade  romana descesse a actos tão vergonhosos...  Cidadãos romanos, como eram os legionarios, não desceriam a  taes  indignidades!". 
Santa ingenuidade!  Em se tratando dos judeus, admitte, sem custo, a atroz perseguição movida contra Jesus, e comprehende-se:  os "partidos religiosos", diz elle, não recuam, nunca,  perante uma infamia. Mas tratando-se de "cidadãos  romanos", de legionarios, seria um conceder demasiado  admittir que descessem a "actos tão vergonhosos... a taes indignidades!"
De sorte  que de duas uma: ou os Evangelistas  mentiram, o que não se póde suppôr, porque  o proprio Renan reconhece  nos Evangelhos o cunho da sinceridade e  authenticidade historica, ou então a gravidade romana não era tão... grave como quer dar a entender o philosopho francez. Gravidade  romana  e  cidadãos  romanos!
Mas o Sr. Renan zomba, sem duvida, do bom senso dos leitores! Seria preciso  que  o tempo tivesse  consumido toda a historia contemporanea para poder mystificar o publico com dez grammas de falso sentimentalismo.  
Cidadãos romanos?  Mas cidadão  romano, para citar só alguns e dos mais  conspicuos, era Cesar Augusto, tão augusto que fôra denominado o Pae da Patria. Este  Pae da Patria, porém, foi visto arrancar, com suas  proprias  mãos, os olhos ao Pretor E. A. Galio, quebrar as  pernas  a  Tallo, commeter  adulterio em publico e em presença dos proprios  ludibriados maridos. 
Cidadão romano era Tiberio, mas praticou acções  tão torpes, diz Svetonio, que quasi não se  acreditariam "e que deveriam envergonhar não só  em  narral-as como em ouvil-as". 
Os romanos  daquelles tempos, disse, se não me engano, Cesar Cantú, apenas tiveram liberdade de chorar. Mas  foi, sem duvida, uma distracção do grande historiador  italiano esta, porque o citado Svetonio nos faz saber que era prohibido, por Tiberio, chorar a morte dos  parentes assassinados por ordem  imperial. E é conhecido o caso daquella  pobre velhinha, Vicia, que foi condemnada á pena capital, pelo crime de  ter chorado a  morte de Gemini, seu filho. 
Cidadão  romano era Caligula, mas era um monstro, um sanguinario. Estuprou  todas as irmãs. Num jantar mandou cortar as mãos a  um servo só porque tirára uma bandeja dum logar para collocal-a em outro. Um cavalheiro romano, condemnado a  ser devorado pelas féras no Circo, momentos antes do supplicio, só por ter proclamado a  sua innocencia, mandou-o vir á sua presença, arrancou-lhe a  lingua, e ordenou que de novo fosse  atirado ás féras. Depois do espetaculo, mandou, um dia, despedaçar, pelos animaes, todos os  velhos que lá se achavam, os invalidos, os páes de  familias aleijados e doentes. 
Cidadão romano era Tiberio Claudio, era, porém, um jogador, um bebedo, um assassino. Mandou matar seus dois  genros Pompeu e  Silano, trinta e cinco Senadores e mais  de trezentos Cavalheiros romanos. O gladiador que no Circo por uma infelicidade escorregasse, o mandava immediatamente esquartejar á sua presença. 
Cidadão romano era Nero, mas só seu nome inspira terror. Matava  e mandava  matar pelos  mais  futeis  motivos. Assassinou Cassio Lingino porque guardava uma effigie de C. Cassio, P. Trasea porque a natureza não lhe dera um rosto sorridente. Obrigou quatrocentos Senadores e seiscentos Cavalheiros a  se apunhalarem no Circo. Matou Octavia sua mulher  com um pontapé no ventre, matou Poppea, outra sua mulher, que se  achava gravida, mandou assassinar a  propria  mãe. 
Cidadão romano era Domiciano, mas além de  assassino era ladrão. Até o proprio Tito,  delicia do genero humano, mergulhava suas mãos no sangue de seus semelhantes. 
E como se vê, estes  não eram uns simples cidadãos romanos, mas eram tidos como a fina flôr, a nata do patriciado. Eram os homens da purpura e do sceptro, cercados de quanto havia de mais nobre, de mais selecto na força, na opulencia do saber. 
Não consta houvesse um só povo, por mais barbaro, que fizesse do homicidio um divertimento publico. Esta particularidade tem sido  privilegio exclusivo do povo romano. Aos centenares, ao milhares eram, os gladiadores, condemnados a  se matarem nos amphitheatros de Roma, a se matarem  com graça elegancia,  para satisfazer o gosto sanguinario de um povo que só pedia panem et circenses. 
Quasi não havia um jantar em que os vapores do falerno não se misturassem com os vapores do sangue. Pobres infelizes, arrebatados da patria e do lar, viam-se obrigados a  se esquartejarem aos pés de impudicas cortezãs e truculentos sybaritas, deitados sobre fotos triclinios, porque esta era a moda em vigor, a sobremesa predilecta dos vencedores do mundo. 
As crueldades  praticadas sobre os escravos são inacreditaveis. Suas carnes palpitantes não raro serviam de isca para as mureias. Por qualquer cousa  eram assassinados. Um tal, matou um escravo porque atravessara uma leitôa com um espeto, arma que não podia usar; Gneo Domicio, pae de Nero, matou outro, porque não podia mais beber vinho. Uma escrava destinada ao serviço da toilette, não podia  ageitar, conforme  o capricho da matrona, a rica cabelleira vinda de além Rheno? Ou não podia delinear-lhe, com chumbo pulverizado, os arcos superciliares, de conformidade com as exigencias da moda? Ou deixava cahir, por um descuido involuntario, o ramalhete de myrto destinado a ornar-lhe a  esplendida fronte? Ver-se-ia logo toldar a  serenidade do rosto da illustre matrona, e  essas lindas  mãos, que acabavam de  ser lavadas  em leite de jumenta, guardado em vaso de finissimo metal, armadas de  um comprido alfinete de prata, com este lhe perfuraria cruelmente os braços e os seios. E não satisfeita, mandal-a-ia suspender pelos cabellos para que fosse flagellada pelo lorario, até julgar-sedesaffrontada e dizer: basta!
E quanto aos legionarios  romanos, basta folhear Tacito, ou qualquer contemporaneo, para ter uma idéa do requinte de ferocidade com que se  haviam com os vencidos. 
E não podia  ser diversamente, desde  que a carencia absoluta de qualquer  sentimento humanitario era elevada á altura de um principio. E como podia  ser de outro modo numa  época em que o homem era  para outro homem um lobo, em que a compaixão, a caridade, era uma virtude não só desconhecida  na pratica, mas tomada até como signal de fraqueza, como vicio de caracter, em que o philosopho moralista Seneca ensinava, alto e  bom som, que a  compaixão era uma covardia, miseratio est vitium pusillanimi, a misericordia uma doença moral, propria  da  ignorância, incompativel com os  espiritos cultos, misericordia est aegritudo ánimae: aegritudo autem in sapientem virum nom cadit!"
Pois bem,  depois desta pagina historica que fomos  obrigados a  citar, com risco de  perder de vista o nosso principal objectivo, para dar apenas  uma amostra da  vileza de  sentimentos do povo romano, perguntamos ao leitor si a  perplexidade de Renan (em prestar fé á  narração evangelica no que se refere aos actos vandalicos praticados pelos  legionarios romanos sobre a pessôa de  Jesus na tragica noite de  quinta para sexta-feira) perguntamos si essa  perplexidade não seria  pueril e ridicula, si não soubessemos que ella esconde um intuito ignobil, qual é o de insinuar no espirito do leitor a duvida  sobre um dos mais  lugubres quadros da  paixão de Christo. 
Sim, intuito  ignobil com que se  attenta, a cada  passo, contra a historia, com que se  adulteram os factos, e com que se põe, na maioria  dos  casos, o leitor na impossibilidade de, mediante  estudos  comparativos, separar o joio do trigo em beneficio da  verdade, sacrificada, constantemente, aos caprichos de uma sciencia sectaria e  falsa.     

   
Illegalidades   -   Tópico Final

Si ha uma instituição  a que  se deva  o respeito dos homens , é sem duvida um Conselho juridico. 
É elle a sentinella avançada da moralidade  do Direito, é a espada de Damocles sobre  o abuso da força, é o escudo de Pallas que dá  guarida ao desamparado, é Judith que livra o povo de seu inimigo, é Cheréa que desembaraça a humanidade  dos seus Caligulas. 
Mas, para que se mantenha sempre na altura do seu fim, torna-se necessario que seus Membros se destaquem pela prudencia e sensatez em seus julgamentos, pela independencia de caracter, pela rectidão nas intenções. 
Não sendo assim,  não teremos Juizes, mas mercenarios de Themis, vendilhões do Templo; a Justiça seria arrastada pela  Suburra das  paixões, e  a Suprema Magestade do Direito encontraria nelles, o seu maior  ludibrio. 
 Estas foram, entretanto,  as condições moraes, que  presidiram ao julgamento de Jesus Christo. O Synhedrio, diz Lemann, citado por Chauvin: "não era, nesse tempo, sinão uma assembléa de homens em sua maior  parte  indignos de suas funcções. Nelles nenhuma piedade, nenhuma  justiça, nenhum valor moral: os proprios  historiadores  hebreus os condemnaram. 
José Flavio qualifica-os de  ambiciosos, ladrões, soberbos e violentos. 
Os proprios chefes, eram homens sem moralidade e sem caracter. A nomeação  de Caiphás  a Grande Sacerdote, a Presidente, portanto, do Conselho, fôra fructo exclusivo dos manejos, das intrigas  do seu astuto sogro Annaz, e muito provavelmente do dinheiro profusamente expendido. 
Sabemos quem era Pilatos. Creatura de Sejano, protegido de Tiberio, não aos seus meritos pessoaes, mas á fortuna do momento devia aJurisdictio e o  Imperium das Judéa. Verdadeiro camaleão, ora pusillanime, outra feroz; porém, sempre venal. Não possuindo dinheiro, roubava-o. Assim fez quando lançou mão dos thesouros do Templo para a construção de um Aqueduto. Quando lhe tornava mais commodo, recorria á traição. Uma vez vestiu soldados romanos á moda dos hebreus, e, assim disfarçados, mandou massacrar os cabeças de um motim popular. Philon  nol-o mostra pyrronico e orgulhoso. 
Estes, pois, eram os Juizes perante os quaes tinha de comparecer Jesus. Que se  havia de esperar no Templo da Justiça, de uns taes Sacerdotes?
Abuso de poder, perseguição, injustiça, eis o que podia esperar Jesus e eis o que realmente se deu. 
Queira o benigno leitor acompanhar-nos  e verificar comnosco de  quantas irregularidades e illegalidades fôra víctima o filho de Maria, no espaço de doze horas. 
Judas recebeu trinta dinheiros para a entrega de Jesus. De quem os recebeu?  De quem  partiu o suborno?  Dos Principes dos Sacerdotes, dos Anciãos, isto é, desses mesmos  que deviam formar o Supremo Tribunal  que havia de julgar Jesus. Ora, a Lei prohibia o suborno. E si era vedado aos  Juizes receber donativos ou dinheiro dos  que  estavam implicados, directa ou indirectamente, nas malhas da Justiça, segundo o dispositivo: "Non accipies personan, nec munera" (Deut. XVI, 18) , a fortiori era vedado aos Juizes offerecer  dinheiro em prejuizo da justiça: primeira irregularidade. 
Jesus foi obrigado a um interrogatorio perante Annaz.  Ora, esta  era uma  violencia, porque Annaz não era o Summo Sacerdote: segunda  irregularidade. 
Podiam ser duas  horas da madrugada quando levaram  Jesus á casa de Caiphás para submettl-o, naquela mesma hora, ao interrogatorio. Ora, as causas  judiciarias, por lei, não podiam ser tratadas  durante a noite, mas sim desde o levantar ao pôr do sol. Terceira irregularidade. 
Jesus, nessa mesma  noite, e pelos poucos Membros do Synhedrio recolhidos  na casa de Caiphás, foi condemnado á morte. Ora, a sentença era nulla de pleno direito, porque uma sentença capital só podia ser pronunciada um dia depois do primeiro  comparecimento do accusado.  Quarta illegalidade.  (Ch. Letourneau:  L'Evolution juridique, Cap. X, pg 288)
Uma sentença capital não podia, sob pena de nullidade, ser proferida na vespera do grande dia de Paschoa. Mas  foi pronunciada  contra Jesus.  Quinta illegalidade.  
Deviam ser rejeitadas as  testemunhas falsas. Os Juizes, porém,  as  procuraram contra Jesus (Matth. XXVI, 39 - Marc. XIV, 55) apezar da  determinação  formal que  prohibia o falso testemunho (Exod. XX, 16 - 21).  Sexta illegalidade. 
Contra as  falsas testemunhas  a lei era inexoravel. Obrigava o Juiz a  ser  inflexivel contra ellas, devendo-as condemnar á pena do talião:"Si steterit textis mendax contra hominem,  reddent ei sicut fratri suo facere cogitavit... Nom misereberis ejus, sed animam pro anima, oculum pro oculo, dentem pro dente, manum pro mano, pedem pro péde exiges. (Deut. XIX, 16 e seg.)
Entretanto, nada de  desagradavel aconteceu ás testemunhas que depuzaram  o falso contra Jesus. É a setima irregularidade. 
As testemunhas deviam, segundo o dispositivo legal, ser interrogadas separadamente, sem serem vistas pelo accusado. Não se observou este dispositivo no processo de Jesus. É a  oitava. 
O Grande Sacerdote, presidente  do Synhedrio, num assomo de zelo hypocrita, ao ouvir Jesus proclamar-se Filho de Deus, rasgou as vestes.  Ora, a lei prohibia terminantemente este acto: "Caput non discoperit, vestimenta non scindet" (Lev. XXI, 10).  É a nona.
O Presidente do Conselho dispensou  ulterior depoimento de testemunhas.  (Matth. XXVI, 65 - Marc.XIV, 64,64)  Mas  isso era contra a lei. É a  décima. 
Não podia ser processado o accusado que não tivesse previamente feito o juramento legal. Este dispositivo  não foi observado com respeito a Jesus. É a  undécima.
A lei punia  quem tivesse  batido em outrem:  "Qui percusserit hominem, punietur" (Lev. XXIV, 21), e  era  severa especialmente quando o offendido era o accusado. Quem désse  a  este uma bofetada, era condemnado á multa de  duzentos a  quatrocentos siclos. Entretanto Jesus  foi esbofetado por um servo brutal do Grande Sacerdote, sem que  houvesse, de parte de quem quer que fosse, o minimo protesto. É a  décima segunda. 
Quanto ao  processo criminal perante o tribunal romano, não se observara quasi  nenhuma das normas  que estavam  em vigor desde a  epoca dos Reis. Todo o processo era dividido em  duas phases ou estadios: processo in jure, isto  é, perante o Magistrado, e o processo in judicio, isto é, perante os jurados, encarregados da  decisão definitiva. 
O processo  in jure,  começava  pela  accusação do accusador, ou accusadores, ao Presidente  do Tribunal, Quaesitor. Note-se, porém,o accusador devia, antes de tudo, requerer a  licença  para fazer a  accusação, alcançada a qual, procedia ao seu papel accusatorio,  criminis delatio, o  qual era apresentado por escripto, contendo em termos precisos a  natureza e as circumstancias do crime. Si a accusação era procedente, o Quaesitor a  acceirava, fazendo inscrever, nos Registros  dos processos  criminaes, o nome do réo,  nomem recipere. Feito isto, citava-se o réo para comparecer:  Si o réo confessava o crime, o Magistrado procedia, neste  caso, de conformidade com a lei, condemnando-o;  si não, era  marcado o dia  da convocação para o processo. Aqui terminava a primeira phase, ou processo  in jure. 
O processo in judicio começava com a formação do Conselho juridico. Os nomes  dos jurados  ou eram extrahidos  por sorte, como nos tempos primitivos, ou eram escolhidos  pelo Magistrado. 
No primeiro caso, as partes tinham o direito de rejeitar cincoenta dos nomes apresentados pela lista  do  adversario;  no  segundo, podiam recusar um certo numero  impar, determinado por lei. 
Formado o Jury,  procedia-se  ao debate que constava  de tres partes  distinctas: accusação, defesa, provas. Terminado o debate, os jurados prestavam  o juramento e  tratavam da  sentença que  era quasi  sempre dada por  escrutinio secreto. O imputado julgava-se  condemnado quanto tivesse, contra, a  maioria de  votos, julgava-se absolvido quando houvesse paridade, ou a maioria  em favor.  (1)
O processo, desde  a  sua instauração até  á  sua conclusão, devia passar  por quatro termos ou periodos. Entre os tres  primeiros não havia intervallo determinado de tempo, entre o terceiro e o quarto, porém, tinham de passar tres dias; si durante o ultimo periodo, por um motivo qualquer, não se concluiam os trabalhos, todo o processo era, por lei, considerado nullo. 
Pois bem,  no Processo de  Christo, não foi observada  nenhuma das disposições a  que alludimos e das outras  a  que iremos alludindo no correr  deste escripto.  Não houve nem processo  in jure nem in judicio, nem ordinario, nem extraordinario. (2) 
As causas criminaes só tinham principio da hora terceira (nove horas da  manhã) em diante. A Causa de Jesus começou ás sete. É a  decima terceira irregularidade esta que registramos. 
Jesus não podia  ser levado, á  força, á presença de Pilatos. Na hypothese estivesse na competencia dos seus inimigos trazel-o ante o Procurador romano,  a coacção era admittida só no caso de resistencia do accusado. Neste caso, a lei exigia que a rebeldia fosse  testemunhada por algumas pessoas, e só depois disso era autorizada a violencia: "Si in jus vocat, ito. Ni it, antestamino: igitur em capito". (Lei das XII Taboas - Tab. 1. n. 1. Leggi delle XII Tavole, Testo e Traduzione del Dottor Nereo Cortellini.)  Todos  estes quesitos foram violados. Decima  quarta. 
A lei prescrevia  que as partes se  accordassem sobre o logar do julgamento: "Rem ubi pacunt orato". (Lei das XII Taboas - Ib. n. 6.) Não houve, porem, este accordo. Decima quinta illegalidade. 
Quem injuriasse a outrem, pena: 25 asses de multa:  Si injuriam faxit,viginti quinque poenae sunto". (Tab. VII, n. 4.) Pilatos vira a que estado tinham reduzido Jesus. Mas nem siquer se lembrou de apurar responsabilidades. Decima sexta. 
Era condemnado á morte quem falsamente accusasse ao seu semelhante de uma falta da qual resultasse, para o accusado,   deshonra ou vergonha. (Tab. VIII, n. 1 b. Allus.)  Ora, os  Principes dos Sacerdotes procuraram deshonrar a  Jesus, attribuindo-lhe um triplice crime:  1º. , de ter sublevado o povo contra o poder constituido; 2º., de o ter subornado para não pagar o tributo; 3º. , de se ter proclamado rei. (Luc. XXIII, 2.)  Não chamou, porém, o rigor da lei sobre os calumniadores. Decima.
 Chegando a provar-se que alguem tinha deposto o falso, era severamente punido. Sendo julgado em Roma,  era precipitado da rocha Tarpeia. "Ex XII tab. - si  nunc quoque - qui falsum testimonium dixisse convictus esset, e saxo Tarpeio deiceretur". (Tab. VII, n. 23. Allus.)  Pilatos proclamára solemnemente, mais de uma vez, que Christo era innocente. (Math. XXVII, 18; Luc. XXI, 2)  Sabia , pois,  que os que depunham contra elle, depunham o falso. Deixou, porém, violar impunemente a lei, em detrimento exclusivo de Jesus.  Decima oitava. 
A flagellação só podia ter logar depois do julgamento  e condemnação á pena capital. Violou-se  esta lei com respeito a  Christo. Decima nona. 
E mesmo não houvesse (como havia) a disposição precedente, o supplicio da flagellação, por lei, só podia ser applicado a um escravo. Ora, Jesus era  pessoa livre. Vigesima. 
Não podia  ser processado nem condemnado ninguem, sem previa  designação e inquirição das testemunhas. Nem esta formalidade  foi preenchida por Pilatos. Vigesima primeira. 
O Juiz tinha,  por lei, de conceder á  parte o tempo necessario para a escolha de um advogado. Pilatos  não o concedeu a Christo. Vigesima segunda. 
Finalmente,  e recapitulando, ninguem podia ser levado á morte sem ter sido antes  legalmente  processado, e legalmente condemnado: "Interficit, indemnatum quemcum que hominem, etiam XII tabularum decreta vetuerunt". (Tab. IX, n. 6.  Allus.) Disposições  que foram fria e criminosamente desprezadas em prejuizo de Jesus. 
Depois do que acabamos de  expender, poderá fazer-se  uma pallida idéa do critero juridico usado por Renan, affirmando, no seu Romance, que a condemnação de Christo estava de accordo com a lei. 
Mas era  necssario que tudo isso se désse. A iniquidade dos homens, que nesse negro momento tomaram de assalto a  pessoa de Jesus, tornava-se, nas mãos de Deus, e sem sabel-o, o instrumento obediente encarregado de  aplainar o caminho por onde havia de  passar, triumphante, o Nazareno. Aproximava mais depressa o Christo do Calvario, que desde as  epocas mais remotas, era o ponto centripeto dos olhares dos Prophetas e dos anhelos da humanidade. A morte de Jesus era necessaria. E nos, que  á distancia de vinte seculos, nos lembramos ainda, com religioso terror, na tragica noite de  14 de Nisan,  abrimos, entretanto, o animo á esperança e ao sorriso ao raiar da  aurora do dia de Paschoa, e nos sentimos levados a  entoar com a Egreja:   O felix culpa, quae talm, ac tantum meruit habere Redemptorem!
                                     FIM
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